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O significado político do triunfo de ‘Ainda estou aqui’ no Oscar

‘Ainda estou aqui’ expôs mundialmente horrores da ditadura em momento político agitado por tentativa de golpe de 2022

Foto: Divulgação
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O triunfo de “Ainda estou aqui” no mais emblemático prêmio do cinema mundial, nesse domingo, 2, tem um significado singular no atual momento político do Brasil — e um peso ainda maior ante o passado mal resolvido do país com a ditadura militar e com quem ficou impune após cometer crimes bárbaros em nome do regime.

Pouco mais de um ano depois de uma tentativa de golpe, afinal, o filme de Walter Salles foi coroado como Melhor Filme Internacional no Oscar ao expor mundialmente os horrores de uma ditadura encerrada há quatro décadas. A nova trama golpista a ser julgada no STF até o fim de 2025 tem como protagonista absoluto Jair Bolsonaro, notório admirador da ditadura e de torturadores que já atacou nominalmente Rubens Paiva. Em um país que não puniu próceres das casas de tortura, os elogios de Bolsonaro a nomes como Carlos Alberto Brilhante Ustra nunca lhe renderam maiores problemas na Justiça. As articulações nos palácios para romper a democracia, contudo, dificilmente não o levarão a uma condenação no Supremo.

Ainda no STF, é inegável que o filme e sua enorme notoriedade também contribuíram para que a Corte reabrisse as discussões sobre o assassinato do ex-deputado após ser retirado por militares da casa da família no Rio de Janeiro. O Supremo vai analisar concretamente os casos dos militares que tiveram participação nos desaparecimentos de Rubens Paiva e outros dois opositores da ditadura. O caso, no entanto, terá repercussão geral sobre a aplicação da Lei da Anistia a casos de graves violações aos direitos humanos pelo regime militar, como sequestro e cárcere privado.

Igualmente simbólico é que um orgulho nacional como “Ainda estou aqui”, reconhecido internacionalmente no Globo e Ouro e, agora, no Oscar, venha de uma área tão atacada e abandonada pelo amante da ditadura Bolsonaro. Durante seu governo, o Ministério da Cultura deixou de ter esse status e passou a ser uma secretária especial vinculada ao discretíssimo Ministério do Turismo.

Entre os seis nomes que ocuparam o esvaziado cargo, estiveram o ator e deputado Mário Frias, outro detrator de “Ainda estou aqui”, e Roberto Alvim, que achou de bom tom gravar um vídeo imitando o nazista Joseph Goebbels para exaltar a cultura nacional, imaginando que ninguém perceberia sua inspiração.

No plano internacional, “Ainda estou aqui” também é alerta a espectadores de outros países. Palco do glamuroso prêmio que coroou a produção brasileira, os Estados Unidos são um dos primeiros da fila nesse sentido. No país, afinal, o extremismo de Donald Trump e de figuras como Elon Musk tem se traduzido em medidas que, para especialistas de diversas posições políticas, configuram golpes quase que diários.

Se o Brasil é tão complicado que precisa de um filme de ficção para se dar conta da própria realidade, como diz o ex-preso político Adriano Diogo, ex-presidente da Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, a vitória de “Ainda estou aqui” é a apoteose do diálogo entre o passado retratado na tela e o presente de quem aplaudiu o filme nas salas de cinema e premiações internacionais.

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