Cães farejadores, esquadrão antibomba, varredura no auditório e no andar inteiro. Duas horas depois, o edifício sede do Banco Central, em Brasília, estava pronto para receber a nata do mundo político e econômico. Com a presença da cúpula do Congresso, líderes do governo, ministros de Estado e de nove ex-presidentes da instituição, o evento realizado nesta quarta-feira, 2, para marcar os 60 anos do BC foi recheado de simbolismos da política e da economia. O presidente Lula, que estava confirmado, cancelou a participação na última hora.

A presença de tantas autoridades se dá em um momento da história em que o BC tenta se mostrar mais aberto ao diálogo com diferentes públicos. O anfitrião, Gabriel Galípolo, assumiu o comando da autoridade monetária em janeiro deste ano com elogios e declarações de apoio do presidente Lula e, desde que assumiu o cargo, aproxima-se do meio político.

Nesse contexto, os presidentes do Senado, David Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foram destaques na mesa de abertura. Em clima de total cordialidade e entrosamento, Motta destacou no discurso o desafio de conciliar as políticas fiscal e monetária no Brasil, tocando num ponto central das críticas à política econômica do governo. Alcolumbre fez questão de enfatizar seu reconhecimento ao trabalho de Roberto Campos Neto à frente da instituição. Desafeto do presidente Lula, o ex-presidente do BC ouviu essas referências sentado na primeira fila da plateia, ao lado dos seus antecessores no cargo e do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça).

A fala do presidente do Senado estava em sintonia com a do anfitrião, que também citou Campos Neto na abertura do evento. Galípolo se disse orgulhoso por enfrentar um "período de polarização da nossa sociedade" e caracterizou o Banco Central como uma “fortaleza institucional” ao fazer a troca de comando da “melhor maneira do ponto de vista técnico, profissional e pessoal”. Segundo ele, o “BC deu exemplo para além do que é o seu legado na estabilidade monetária e financeira” e mostrou que “é possível, sim, ter um convívio harmonioso, trabalhar tecnicamente e garantir estabilidade olhando para o que é preocupação do país”.

A ministra Simone Tebet (Planejamento) levantou a bola da harmonia, porém, “entre equipe a econômica e o BC”, sem prejuízo de autonomia da autoridade monetária. Ao lado do BC e da Fazenda, o Planejamento compõe o Conselho Monetário Nacional, instância que define as políticas da moeda e do crédito. Tebet defendeu o fim de renúncias tributárias, reforçando uma posição do Ministério da Fazenda, e disse acreditar que o caminho adotado pelo governo irá levar ao recuo da inflação nos próximos 60 dias e que isso poderá, “quem sabe”, abrir espaço para queda dos juros “um pouco antes do imaginado”.

Em sua intervenção, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse ser uma pessoa cada vez mais, “institucionalista” porque isso, na avaliação dele, é o que ajudará o país a vencer o que classificou como “a má polarização política”. “A má polarização é quando a tensão entre os polos impede uma agenda de Estado”, observado atentamente por Hugo Mota. Alcolumbre se mostrava mais distraído, olhava para outro lado.

Entre os ex-presidentes, os dois painéis de debates foi um momento de reviver o passado e lembrar de fatos marcantes. Sobre os dias hoje, uma quase unanimidade: o discurso de que a política fiscal deve ajudar o Banco Central no combate à inflação.

Tietagem
Mesmo com toda pompa, o evento teve momentos de descontração. Do lado de fora do auditório, antes da chegada dos convidados ilustres, um grupo de senhoras procurava antigos chefes. "Cadê eles?", perguntavam. Ex-secretárias da presidência do BC, elas queriam rever os antigos chefes e "tietar", como disse Edna Nolasco, que trabalhou com Wadico Bucchi (1989-1990) e Pérsio Arida (1995).

Edna lembrou o dia que levou o então presidente indicado ao BC Armínio Fraga no seu próprio carro, um Chevette, para o aeroporto. "A sabatina dele havia sido desmarcada, conseguimos um voo em cima da hora para ele ir para os EUA e não havia carro para levá-lo. Eu me ofereci e tive que sair subindo o meio fio e desviando de tudo para chegar na hora", lembrou, rindo. Já Marlene Avancini contou que "acalmava" Fraga com balinhas de coco. Por isso, comprou um pacote especial para dar de presente ao ex-BC e saiu satisfeita porque, depois de muita insistência, conseguiu vencer as barreiras e chegar até o antigo chefe.