A megaoperação da Polícia Civil do Rio de Janeiro que terminou com 64 pessoas mortas nesta terça-feira, 28, foi o primeiro grande teste da “ADPF das Favelas”, nome pelo qual ficou conhecida a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 julgada em abril pelo STF (Supremo Tribunal Federal), com as regras para reduzir a letalidade das intervenções policiais e a violência nos morros fluminenses.
Nas próxima semanas, o Ministério Público Federal vai investigar se, no enfrentamento ao Comando Vermelho, a Operação Contenção descumpriu as normas fixadas pelo Supremo na decisão tomada há seis mesesA ordem do STF determina que o MP apure as ações que resultaram em mortes e violência e peça a punição, em caso positivo, das autoridades responsáveis por eventuais descumprimento das regras. Além das 64 mortes, sendo quatro policiais, o confronto desta terça terminou com 81 presos.
A “ADPF das Favelas” foi apresentada em 2019, no governo Jair Bolsonaro, pelo PSB e por um grupo de ONGs, e pediu intervenção judicial do Supremo, naquele ano, para frear uma escalada de mortes provocadas nas intervenções policiais nos morros e garantir os direitos dos moradores. O processo teve como relator o ministro Edson Fachin, atual presidente do STF.
Em abril deste ano, a ADPF foi a julgamento com um voto “consensual”, que reuniu o entendimento uniforme dos onze ministros, redigido pelo relator. A decisão reconheceu “quadro de grave violação generalizada de direitos humanos” no estado, garantidos pela Constituição e acordados em tratados internacionais. Entre as regras estabelecidas no julgamento de abril da ADPF estão: respeito à proporcionalidade no uso da força, preservação dos locais de crime, investigação posterior feita pelo Ministério Público, plano de reocupação das áreas, uso de câmeras corporais e nas viaturas, limites para buscas em domicílios e para ações perto de escolas e hospitais.
O STF destacou que o plano não interfere nem apresenta caminhos para a atuação policial e das autoridades de segurança pública do Rio, mas sim nas garantias dos direitos humanos e no maior controle e investigação, posterior às operações nos morros. O voto em abril constatou que “a política de redução de letalidade ainda está longe do ideal constitucional”, mas desde o início da tramitação da ação, mais de cinco anos antes, o Estado do Rio de Janeiro demonstrou “compromisso significativo” com as determinações. “Câmeras foram instaladas nos uniformes policiais; há um protocolo de comunicação das operações; o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro tem sido notificado e tem acompanhado a execução das operações”, registrou a normativa. Em setembro, o caso foi transferido para o ministro aposentado Luís Roberto Barroso, com a ida de Fachin para a presidência do tribunal.
O governador fluminense, Claudio Castro (PL), afirmou nesta terça que todas as exigências do STF foram respeitadas. Em caso de desobediência à ADPF, um grupo de trabalho do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) deve comunicar as falhas ao STF. Enquanto o substituto de Barroso não assumir a vaga no Supremo, a ação fica sob a responsabilidade de Alexandre de Moraes.
Explicações
O MPF pediu nesta terça, formalmente, explicações ao governo estadual. O procurador da República Julio Araújo Junior questionou as finalidades da operação e se foram cumpridas as determinações do STF na ação. Castro também tem que apresentar “comprovação da inexistência de outro meio menos gravoso de atingir a mesma finalidade”. Nesta terça-feira, Moraes deu 24h para a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestar sobre a operação.
A DPU (Defensoria Pública da União) divulgou nota nesta terça uma nota de repúdio ao “aumento da violência e da letalidade policial” no Rio. “O descumprimento dessas diretrizes representa grave violação a preceitos fundamentais e compromete a efetividade do Estado Democrático de Direito”, informou o órgão do governo na nota.
Para a defensoria, “ações estatais de segurança pública não podem resultar em execuções sumárias, desaparecimentos ou violações de direitos humanos”, registra a nota. “Sobretudo em comunidades historicamente marcadas por desigualdade, ausência de políticas sociais e exclusão institucional”, conclui.
