Oposição quer impeachment de Moraes. Mas isso tem cabimento?
O movimento capitaneado por um grupo de senadores para pedir o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), deixa ainda mais evidente o tensionamento político entre os Poderes em curso no Brasil desde a ascensão da extrema-direita ao protagonismo institucional. A iniciativa segue uma lógica que tem sido reiterada nos últimos anos, qual seja, a de utilizar instrumentos constitucionais para fins de intimidação política e desestabilização institucional, mesmo quando não há fundamento jurídico consolidado.
Do ponto de vista técnico, o pedido de impeachment de um ministro do Supremo exige a demonstração inequívoca de que o magistrado cometeu crime de responsabilidade, conforme previsto na Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950. Isso inclui condutas como proferir julgamento manifestamente contrário ao texto expresso da Constituição, exercer atividades político-partidárias ou agir com venalidade.
Nenhum dos atos atribuídos a Alexandre de Moraes (como a condução do inquérito das fake news, decisões liminares contra parlamentares acusados de atacar o regime democrático ou as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro) configura, isoladamente ou em conjunto, um desvio de função nesses termos.
O que se observa, em vez disso, é uma reação política travestida de denúncia jurídica. Parlamentares alinhados ao ex-presidente e a setores ideológicos à extrema-direita têm buscado emplacar a narrativa de que Moraes atua como um “censor” ou “autoritário”, quando, na verdade, sua atuação tem se dado dentro dos marcos estabelecidos pela Constituição e sob a chancela de decisões colegiadas do STF. A tese de que há um “Estado policial” ou um “ativismo judicial desmedido” esbarra na realidade de que as decisões do ministro têm sido reiteradamente confirmadas por seus pares e não foram objeto de anulação por instâncias superiores (até porque, no âmbito do Judiciário, o STF é a instância máxima).
Esse tipo de investida contra ministros do Supremo também denuncia a distorção do princípio de separação e equilíbrio entre os Poderes. O sistema de freios e contrapesos pressupõe a existência de instrumentos de controle recíproco, mas que devem ser acionados dentro de balizas institucionais e com base em critérios técnicos. Transformar o pedido de impeachment em uma ferramenta de retaliação política desequilibra o arranjo republicano, pois introduz um componente de instabilidade e de pressão que compromete a independência funcional do Judiciário. Em democracias constitucionais maduras, a independência judicial não é um privilégio pessoal dos magistrados, mas sim uma garantia institucional para a proteção de direitos e liberdades.
Importa também notar que a Constituição brasileira não atribui ao Senado apenas o poder de processar ministros do STF. Ela atribui, antes, a responsabilidade de proteger o equilíbrio entre os Poderes. Um presidente do Senado comprometido com essa função não pode aceitar, como legítimo, um pedido de impeachment amparado apenas em divergência política ou insatisfação com o teor das decisões judiciais. Ao fazê-lo, estaria fragilizando o Judiciário e minando as bases do regime democrático.
Por fim, mas não menos importante, cabe apontar que a politização dos pedidos de impeachment contra ministros do Supremo se insere em uma estratégia mais ampla de erosão institucional. Ela busca desacreditar o funcionamento regular das instituições e pavimentar um ambiente propício à deslegitimação de decisões judiciais, especialmente aquelas que envolvem responsabilização de agentes políticos por práticas antidemocráticas. Trata-se de um movimento que, se bem-sucedido, não apenas desestabiliza o STF, mas abre um precedente perigoso para o enfraquecimento da Justiça como um todo.
A defesa da democracia não pode se dar apenas em momentos de crise aguda. Ela exige vigilância constante e compromisso com os princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito, dentre eles, a independência judicial. Atacar ministros do Supremo sem base jurídica não é apenas inócuo do ponto de vista legal. É corrosivo do ponto de vista institucional. O Parlamento tem todo o direito de criticar, de debater e de fiscalizar, mas não pode se valer de seus poderes constitucionais para enfraquecer as instituições que justamente existem para conter o abuso do poder.
Fillipi Nascimento é cientista Social. Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper
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