Se tem um termo capaz de mover os congressistas em votações é "liberação de emendas". Sem isso, hoje, o Parlamento não se obriga nem a votar o Orçamento da União, que, constitucionalmente, define os gastos públicos para o ano seguinte e até a dotação para novas emendas que permitam a deputados e senadores levarem recursos para suas bases. É exatamente esse o caso da proposta orçamentária de 2025, que deveria ter sido votada no final do ano passado, mas até agora está pendente.
A CMO (Comissão Mista de Orçamento) do Congresso até marcou a votação para o próximo dia 11 de março, mas não há a menor certeza de que o passo será dado, de fato, como espera o Planalto. A sessão foi agendada pelo presidente do colegiado, deputado Júlio Arcoverde (PP-PI), mas nem o relator, senador Ângelo Coronel senador Ângelo Coronel (PSD-BA), acredita que será possível. Coronel quer um tempo, depois do Carnaval, para conversar com líderes para "começar a ajustar alguns pontos". "O mais provável é que venha a ser votado na semana seguinte, a semana do dia 17", disse o senador.
Mas, afinal, o que tanto precisa ser combinado? Hoje há um impasse envolvendo a votação da LOA, como é conhecida a Lei Orçamentária, e a razão disso está nas decisões do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que bloqueiam a liberação de emendas parlamentares - Dino, como se sabe, quer mais transparência nos repasses e seus despachos têm irritado profundamente uma parcela importante do Congresso.
Há expectativa de que o impasse se resolva na reunião que os novos presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil - AP), terão com o ministro do STF nesta quinta-feira, 27, na tentativa de apresentar as fartas queixas dos congressistas.
Outro ponto nevrálgico é o "pente-fino" que Flávio Dino determinou nas chamadas emendas Pix, aquelas cujos recursos indicados pelos deputados e senadores vão parar direto nas contas de prefeituras.
A CGU (Controladoria Geral da União) e o TCU (Tribunal de Contas da União) concluíram que 81% das emendas dessa modalidade liberadas de 2020 a 2024 não são rastreáveis desde o autor até os beneficiários finais das verbas. Com base nessa constatação, Dino determinou a suspensão dos repasses. Os parlamentares querem que os critérios exigidos pelo ministro valham daqui para frente. Um deputado definiu, em reservado, que o que se quer é "deixar o passado no passado".
As reclamações chegam para Motta e Alcolumbre de todas as formas. Tem deputados da oposição que apostam que Dino usa o cargo de ministro do STF para fazer um discurso moralizador com vistas a uma futura candidatura à Presidência da República. Tem ainda quem pense que, ao bloquear as emendas, o ministro usurpa uma função que é do Congresso na gestão do Orçamento.
"A expectativa é essa reunião do dia 27 para ver se define pelo menos como isso será encaminhado. Não se trata somente de um acordo sobre como pagar o passado, mas como fazer o futuro. Não tem como a gente votar uma lei se a gente não sabe se o Judiciário vai deixar executar ou se o ministro vai pedir a execução orçamentária como foi no ano passado", disse o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE).
O deputado argumenta que, até o ano passado o governo era conivente com os bloqueios feitos por Dino, mas agora mudou de postura porque sentiu que também será prejudicado, já que existe, em sua avaliação, uma infinidade de obras paradas esperando os recursos prometidos. "O governo gostou da ideia de suspender a execução orçamentária, fez a provocação ao ministro Dino que, por sua vez, gostou da ideia. Agora está difícil de desfazer o impasse", prosseguiu Forte.
Para o deputado, as emendas podem até ser imorais e é preciso punir quem usa desse mecanismo para enriquecer, mas não é o caso de tratá-las como inconstitucionais. Eis o que ele disse: "As emendas não são inconstitucionais só por que são emendas. Elas podem até ser imorais em sua execução, mas cabe à Justiça inquirir, processar, condenar quem usa delas para enriquecimento ilícito. O que não pode é paralisar o país".
Os congressistas que se rebelam contra Dino dizem que, agora, o próprio governo já sofre com a torneira fechada. Lembram que o presidente Lula marcou três vezes de ir ao Ceará inaugurar um hospital, mas cancelou porque para o estabelecimento funcionar é preciso liberar recursos de emendas de bancada que estão bloqueadas.
Mar revolto
Apesar de Dino ter sinalizado com a possibilidade de diálogo com os dois presidentes do Legislativo na próxima quinta-feira (27), não há muita esperança em uma possível. Ao contrário, a possibilidade de revolta se ampliou diante da perspectiva de se aprovar na Câmara um projeto, o PLP 22/2025, que autoriza a quitação de restos a pagar acumulados desde 2019.
São R$ 2,6 bilhões em emendas parlamentares que foram canceladas em dezembro de 2024. O projeto, aprovado pelo Senado na semana passada, teve sua urgência aprovada na Câmara nesta terça-feira, 25. Já se espera que Dino se insurja contra a iniciativa, por mais que ele diga, nos bastidores, que não pretende agir "de ofício" e atuará sobre a questão somente se for provocado.
Com a aprovação do requerimento de urgência, o projeto pode ir a votação em plenário sem passar por comissões. Apenas dois partidos, o Novo e o PSOL, foram contrários ao requerimento, aprovado por 347 a favor e 29 contrários (houve três abstenções). A ideia de Hugo Motta é levar a proposta a votação depois do Carnaval.
Ao PlatôBR, a líder do PSOL na Câmara, Talíria Petrone (RJ), disse que conversará com a bancada e não descarta a possibilidade de recorrer à Justiça para manter o bloqueio sobre os restos a pagar. "É claro que há toda uma argumentação sobre obras paradas, mas o PSOL fará todo o possível para impedir o retorno nas emendas de relator (sem autoria indicada) e, se necessário, fará uma nova provocação do STF para garantir a transparência e a rastreabilidade sobre os recursos que são públicos", disse.