Os fantasmas de Gilberto Kassab
“O principal assessor (do candidato à presidência) Guilherme Afif Domingos, do PL, não é pago pelo partido nem é um dos ‘voluntários’ que trabalham para a campanha. Gilberto Kassab, secretário particular do candidato, é funcionário da Assembleia Legislativa de São Paulo, ganha NCz$ 6.826,73, mas sequer aparece por lá. Ele acompanha Afif nas viagens e ontem, por exemplo, estava em campanha no Estado de Alagoas.” Assim começava a primeira reportagem em jornal grande que citava o político Gilberto Kassab, em 6 de outubro de 1989, intitulada “Fantasma na campanha do PL”.
Seu início de carreira mostrou um padrão de conduta questionável, mas promissor para um político que vê nas relações pessoais o começo, o meio e o fim da atividade pública. Kassab é um político sem conteúdo. Seu PSD não é de esquerda, nem de direita, nem de centro. Só quer poder. Em uma época de polarização, isso tem sido festejado por muitos.
A pergunta óbvia é: Kassab e o PSD querem o poder para fazer o quê? Há duas respostas plausíveis. Uma é apoiar governos que tenham objetivos para além do óbvio em troca de cargos e outras benesses. Quem acha que Kassab foi ministro das Cidades de Dilma Rousseff ou ministro da Ciência e Tecnologia de Michel Temer por motivos “programáticos” precisa listar as ideias e projetos do pessedista para essas áreas.
Outra opção, não excludente, é que Kassab e seus colegas de partido querem utilizar-se das relações políticas e postos governamentais para manter uma organização cujo objetivo é simplesmente a sua própria sobrevivência.
Não há nada de ilegal nisso, em princípio. Mas se, para muitos, Kassab faz bem à democracia por ser um bom articulador político, ele e seu partido fazem mal ao legitimar um modus operandi de, digamos, comportamentos pouco republicanos.
Um trabalho do cientista político Ivan Jucá, pesquisador do FGV CEPESP, mostra o PSD como um exemplo de "partido-máquina", com alto grau de envolvimento em escândalos de corrupção. Entre 2012 e 2018, 34,5% dos deputados federais do PSD foram investigados, processados ou condenados por crimes comuns e de responsabilidade, de acordo com o estudo. Esse índice é superior ao de partidos como MDB, PSDB e PT, e similar ao de PTB e PL.
O próprio Kassab já foi citado como suspeito em diversas investigações da Operação Lava Jato. Em 2008, então prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, ele teria se reunido com José Rubens Goulart Pereira, representante da Galvão Engenharia. Nesse encontro, teria sido solicitado um pagamento de R$ 1 milhão como contribuição de campanha, em troca do direcionamento da obra do Túnel Sena Madureira para a Galvão. A empresa realizou o pagamento ao Diretório Nacional do DEM, o partido de Kassab à época, supostamente direcionado à campanha de reeleição. Após a licitação, o consórcio Queiroz Galvão/Galvão levou a obra.
Além disso, o delator Benedicto Barbosa da Silva Júnior afirmou que Kassab recebeu R$ 17,9 milhões em caixa dois da Odebrecht para estruturar o PSD para a disputa eleitoral de 2014. Kassab teria se encontrado com ele em 2013, solicitando recursos para o partido. O valor foi pago entre novembro de 2013 e setembro de 2014, através do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht.
Kassab também teria participado de um "acordo de mercado" entre grandes e médias empresas para fraudar licitações e contratos administrativos relacionados a obras viárias em São Paulo. Elton Santa Fé, então secretário municipal de Infraestrutura Urbana, teria recebido R$ 200 mil em propina da Odebrecht, antes da assinatura do contrato do Túnel Roberto Marinho. O pagamento teria sido condição para a liberação da ordem de serviço para a obra.
Carlos Armando Guedes Paschoal, ex-executivo da Odebrecht, afirmou que, nesse acordo, a Odebrecht teria que apresentar propostas de cobertura para participar da fraude em licitações. Como contrapartida pelo direcionamento do contrato do Túnel Roberto Marinho, Paulo Preto teria solicitado propina de 5% do valor do contrato e um adiantamento de R$ 2 milhões para a campanha de Kassab.
Nenhuma dessas suspeitas foi levada adiante. Em fevereiro de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski arquivou o inquérito contra Gilberto Kassab. A decisão foi tomada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que considerou que as provas apresentadas, baseadas principalmente em delações premiadas, não eram robustas o suficiente para sustentar uma denúncia.
Guilherme Afif Domingos teve 4,8% dos votos em 1989. Seu Partido Liberal, que até era programático à época, tornou-se veículo do bolsonarismo. Desde 2023, Kassab é secretário de Governo e Relações Institucionais do Estado de São Paulo, chefiado por Tarcísio de Freitas (Republicanos). Um pulo grande para quem começou, 35 anos atrás, como assessor técnico de gabinete na Assembleia Legislativa de São Paulo.
A reportagem citada no início desta coluna revelava: “Contratado com o cargo de assessor técnico de gabinete, Gilberto Kassab deveria trabalhar com o deputado estadual Eduardo Bittencourt, líder do PL e secretário do partido no Estado. Mas qualquer pessoa que telefonar para a sala da liderança do PL será informada do seu verdadeiro local de trabalho. Kassab, informa a secretária do deputado, pode ser encontrado no telefone 549-3877, do comitê central da campanha de Afif em São Paulo”.
O principal assessor de Kassab, Carlos Takahashi, perfilado por Luigi Mazza, não sai de sua sala no Palácio dos Bandeirantes para almoçar.
Sérgio Praça é professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC). Doutor em Ciência Política pela USP, é autor de “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” e “Corrupção e Reforma Orçamentária no Brasil”
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