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Os grandes personagens da batalha do corte de gastos

De Lula ao dólar e à dívida pública, passando por Arthur Lira e até Flávio Dino, entenda quem e o que mexe com a principal trama da política nacional neste momento

Lula, Fernando Haddad, Rodrigo Pacheco, Arthur Lira, Flávio Dino, Simone Tebet, Sidônio Palmeira, Luiz Marinho, Carlos Lupi, Nísia Trindade, Gabriel Galípolo, Gleisi Hoffmann, Rui Costa, Alexandre Padinha.
Ilustração: Daniel Medeiros/PlatôBR

O governo tem o desafio de conseguir, nas próximas duas semanas, aprovar as principais medidas do pacote fiscal no Congressso. Depois do desgaste com a estratégia equivocada de divulgação das medidas, a equipe econômica colheu na quarta-feira, 4, uma vitória com a aprovação do pedido de urgência. No entanto, o placar foi apertado e não é, nem de longe, garantia de aprovação do mérito das medidas.

Já estão no Congresso a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) com as medidas para a corte de gastos públicos, enviadas na segunda-feira, 2, um projeto de lei e outro de lei complementar (PLP), enviados uma semana antes, tratando dos benefícios sociais. As mudanças na aposentadoria dos militares ainda não foram encaminhadas.

A aprovação das medidas é fundamental para tentar reverter o mau humor do mercado financeiro que, por exemplo, fez o dólar bater cotação recorde. As principais lideranças do Congresso já sinalizaram que apoiarão as medidas. No entanto, a discussão ainda passa pela liberação de emendas e por outras negociações que aparecem como pano de fundo dessa história recheada de personagens. O PlatôBR lista, a seguir, os principais envolvidos.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Lula. A birra entre o presidente Lula e o mercado financeiro é recíproca. O viés antipetista domina boa parte dos analistas, economistas e agentes financeiros, especialmente no Brasil. Lá fora, o presidente conta com maior simpatia nas mesas de operação. Foi de Lula a decisão de divulgar o pacote fiscal conjugado com medidas populares, como a isenção do IR. A aposta do presidente foi na sua popularidade junto às bases eleitorais, em detrimento do impacto econômico.

Fernando Haddad. O ministro da Fazenda ganhou pontos e credibilidade junto ao mercado financeiro com o anúncio e a aprovação do arcabouço fiscal (conjunto de regras para evitar escalada do gasto público) já na largada do governo Lula, em 2023. Mais de um ano depois, o que era para ser um novo pacote de medidas para reforçar o conceito de contenção das despesas do setor público foi vendido como um conjunto de ações para corte de gastos e, para completar, embalado numa estratégia atrapalhada que visava aprovação rápida no Congresso. Diante da fragilidade do pacote, do risco de não conseguir aprovar todas as medidas ainda neste ano e, ainda por cima, do ruído causado por ter anunciado junto a isenção do IR, o ministro terá que suar a camisa para recuperar, junto ao mercado financeiro, a imagem de alguém com capacidade de influenciar as decisões econômicas no governo. A aprovação do pacote será fundamental para o futuro político de Haddad.

Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco

Rodrigo Pacheco. O presidente do Senado demonstrou boa vontade para aprovar o mais rapidamente possível o pacote de corte de gastos. Disse ser importante que o Congresso apoie “as medidas de controle, governança, conformidade e corte de gastos, ainda que não sejam muito simpáticas”. Pacheco, no entanto, fez restrições, principalmente à isenção de IR para parte da classe média (trabalhadores com renda mensal de até R$ 5 mil). “Essa é uma discussão para frente, que vai depender muito da capacidade do Brasil de crescer e gerar riqueza, sem aumento de impostos”, disse, em nota divulgada por sua assessoria de imprensa. A isenção de IR, para Pacheco, não é pauta para agora, “embora seja um desejo de todos”. Ela só irá acontecer, de acordo com o senador, “se tivermos condições fiscais para isso”. “Se não tivermos, não vai acontecer”, cravou.

O presidente da Câmara, Arthur Lira

Arthur Lira. O presidente da Câmara seguiu na mesma linha de Pacheco. Disse que qualquer outra iniciativa governamental que implique em renúncia de receitas será discutida apenas em 2025. E se comprometeu também em acelerar as medidas de controle de gastos incluídas no mesmo pacote. Ele reafirmou "o compromisso inabalável da Câmara dos Deputados com o arcabouço fiscal”, pois “toda medida de corte de gastos que se faça necessária para o ajuste das contas públicas contará com todo o esforço, celeridade e boa vontade da Casa, que está disposta a contribuir e aprimorar". Na quarta-feira, 4, Lira disse que a Câmara não tinha votos sequer para colocar o pacote de corte em regime de urgência de votação. No mesmo dia, porém, a Câmara conseguiu votar a urgência da proposta. Lira fez críticas à decisão do ministro do STF Flávio Dino de travar o pagamento das emendas parlamentares e, ao decidir liberá-las, não ter feito isso da maneira desejada pelos congressistas.

Flávio Dino. Ex-ministro da Justiça de Lula, que o nomeou depois para o Supremo, Dino passou a ter uma atuação central nas articulações para possibilitar a aprovação do pacote de corte de gastos. Para aprovar as medidas, parlamentares passaram a pleitear a liberação das emendas que haviam sido travadas pelo ministro do STF, por causa da falta de transparência na destinação dos recursos. Deputados e senadores exigiram que o governo intercedesse junto a Dino para a liberação. Na segunda-feira, 2, Dino liberou as emendas, mas ainda com reservas. O impasse continuava .

A Ministra de Estado do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet

Simone Tebet. No comando do Planejamento, a ministra iniciou com sua equipe os estudos sobre a estrutura dos gastos públicos e as medidas para corrigir as distorções. Durante quase um ano, falou praticamente para as paredes, enquanto o ministro Fernando Haddad (Fazenda) falava de medidas para aumentar as receitas do governo. Questões como revisão dos chamados gastos tributários (receitas que o governo deixa de receber com as desonerações fiscais para estimular vários setores) e mudanças em programas sociais levantadas pela equipe do Planejamento eram sempre rejeitadas. Nos últimos meses, quando a necessidade de dar uma resposta ao mercado e reforçar o controle dos gastos bateram à porta e o governo resolveu agir, Tebet ficou em segundo plano, como auxiliar de Haddad. Em várias reuniões, como aquela em que o presidente Lula bateu o martelo sobre a estratégia de divulgação das medidas, Tebet não foi chamada.

O marqueteiro Sidônio Palmeira.

Sidônio Palmeira. O marqueteiro da última campanha do presidente deu o ar de propaganda eleitoral ao pronunciamento do ministro Fernando Haddad em cadeia nacional de televisão. Foi uma ação de propaganda política para colocar em prática a estratégia definida pelo Planalto. O marqueteiro está cada vez mais próximo do núcleo do governo, que tem tentado melhorar a comunicação com a população, considerada ineficiente até pelo PT e por aliados.

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho

Luiz Marinho. O ministro do Trabalho fez coro com a parcela do PT que queria evitar mudanças em programas e benefícios sociais. À frente de uma das pastas mais importantes para o presidente, Marinho tem tido pouco espaço para conseguir emplacar suas propostas em dois anos de governo. No auge dos debates sobre as medidas que seriam incluídas no pacote fiscal da equipe econômica, ameaçou pedir demissão do cargo caso fossem feitas mudanças em programas e benefícios sob a alçada do ministério, em especial no seguro-desemprego. O ministro disse que seria uma “agressão” se uma decisão fosse tomada sem ele participar. Foi um dos primeiros a serem chamados para um conversa com Lula na fase final de definição das medidas. Dias depois, recuou da ameaça de demissão e justificou dizendo que “fui ouvido”. Marinho é próximo do presidente desde a época em que ambos atuavam no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, na Grande São Paulo.

O ministro da previdência, Carlos Lupi.

Carlos Lupi. Outro ministro que ajudou a aumentar a tensão durante os debates do ajuste fiscal, o titular da pasta da Previdência também disse que se demitiria se houvesse corte em sua área. “Se isso acontecer, não tenho como ficar no governo”, declarou publicamente. Após conversas no Palácio do Planalto e a divulgação das medidas, Lupi seguiu no governo e, hoje, defende medidas como as mudanças para evitar fraudes no BPC (Benefício de prestação continuada). “O ministro Haddad anunciou um reforço na fiscalização. É uma questão de dar direito a quem tem direito”, afirmou.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade

Nísia Trindade. A ministra da Saúde entrou no debate como quem mais perderia com a medida proposta pela equipe econômica de desvincular o aumento das despesas da pasta com o crescimento das receitas do governo federal. Entrou muda e saiu calada no debate público. Foi chamada para participar de reunião com o presidente Lula na reta final das discussões internas no governo. Durante a entrevista coletiva para divulgação das medidas, a proposta que afetaria o Ministério da Saúde chegou a ser classificada como “ineficiente”, pois geraria muito ruído e desgaste para um ganho financeiro pequeno. O cargo de Nísia está na mira da base aliada, que quer trocá-la na reforma ministerial.

O presidente do BC, Gabriel Galípolo.

Gabriel Galípolo. Aprovado pelo Congresso para ser presidente do Banco Central, ele só assumirá o cargo em janeiro de 2025. Porém, já é o presidente de fato. Pupilo do presidente Lula, foi chamado várias vezes ao Palácio do Planalto para avaliar a reação do mercado financeiro às medidas. Galípolo teria alertado para o risco de volatilidade cambial e estresse diante da estratégia de divulgação proposta. Foi voto vencido. Agora, terá o desafio de segurar a inflação com o único instrumento que lhe cabe: a taxa de juros. As incertezas fiscais, que foram turbinadas com a reação negativa do mercado financeiro às medidas fiscais, podem obrigar o BC a promover altas mais fortes nos juros e mantê-los num patamar elevado por mais tempo.

Gleisi Hoffmann. A presidente do PT criticou duramente o pacote de corte de gastos bem antes de ele ser anunciado. Condenou com veemência os cortes nas áreas sociais, dificultando os planos do ministro Fernando Haddad. Para ela, nenhum corte nessas áreas seria aceitável. Gleisi também atacou o mercado, que, segundo ela, estaria querendo que os trabalhadores e os mais pobres assumissem todos os custos. Como os cortes eram necessários, o Palácio do Planalto não viu com bons olhos o discurso da presidente petista. Após o anúncio das medidas, Gleisi interrompeu as críticas. Nas redes sociais, saiu em defesa do governo.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa

Rui Costa. Tido como um dos principais adversários de Fernando Haddad dentro do governo, o chefe da Casa Civil de Lula é apontado como um dos que impediram a desvinculação dos gastos com educação e saúde das receitas do governo. Petista, o ministro defendeu que o pacote agradasse às bases do presidente e preservasse cortes em áreas sociais. No anúncio das medidas, ele assumiu o papel de atacar o mercado, enquanto Haddad seguiu com discurso polido e diplomático.

O ministro de Relações Institucionais Alexandre Padilha

Alexandre Padilha. Encarregado das articulações políticas para a aprovação do pacote, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais foi encarregado de coordenar o envio dos textos ao Congresso com as medidas para os cortes. Um problema a ser enfrentado são os atritos e a animosidade entre Padilha e o presidente da Câmara, Arthur Lira.

O dólar. A grande estrela após anúncio do pacote foi o dólar. A cotação da moeda americana bateu recordes desde o anúncio do pacote e segue pressionada. Nesta sexta, 6, fechou em R$ 6,07, maior patamar nominal da história. A expectativa de fechar o ano com um valor abaixo de R$ 5 ruiu. Agora, acredita-se que ficará em torno de R$ 6, o que tem repercussão na inflação, que já está acima do teto da meta, e para os juros. Além disso, o dólar a R$ 6 afeta diretamente as viagens de brasileiros ao exterior e, como consequência, a avaliação do governo.

A inflação. O valor acumulado já está acima do teto da meta, de 4,5%. O centro da meta é de 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. A alta do dólar afeta o preço de produtos industriais e agrícolas cotados na moeda estrangeira, o que faz subir os preços finais ao consumidor. Assim, alta no trigo, por exemplo, leva a aumento no preço do pão francês.

A dívida pública. É a protagonista de toda a discussão sobre ajuste fiscal. O governo precisa conter despesas para conseguir economizar e frear a trajetória de crescimento do endividamento público em relação ao PIB. Essa relação é um indicador importante quando investidores avaliam as condições de um país honrar seus compromissos. Com o pacote fiscal anunciado, o governo espera economizar R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026. Mas isso ainda depende de aprovação das medidas pelo Congresso Nacional e, nos cálculos de economistas, será difícil alcançar essa cifra. Por isso, projetam que a dívida deverá bater 84% do PIB em 2026, uma alta forte frente os 78% do PIB estimados para 2024.

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