A presidente da associação que representa os defensores públicos federais, Luciana Dytz, está no cargo desde 2023. Desde então, ela tomou para si a missão de ampliar a atuação da DPU (Defensoria Pública da União), que hoje alcança apenas 30% das localidades onde funcionam varas de Justiça Federal. Em março, a Anadef (Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais) entrou com uma ação no STF pedindo que a expansão da DPU não seja afetada pelo teto de gastos do governo federal, na tentativa de propiciar o serviço a mais pessoas sem condições de contratar um advogado privado para recorrer à Justiça.
Nesta entrevista à coluna, Luciana Dytz lamenta que nem todos os brasileiros que não podem pagar por um advogado tenham acesso ao auxílio de um defensor público. Segundo ela, os atingidos são uma parcela invisível da sociedade – que inclui indígenas, quilombolas e pessoas sem acesso a informação. “Os pobres não estão hoje na mesa da Justiça”, diz. A defensora afirma que fraudes como o desconto indevido de benefícios do INSS poderiam ser evitadas com a ampliação da prestação de serviços da DPU.
Qual o déficit de defensores públicos no Brasil hoje?
Na DPU, atuamos na área federal, que se divide em Justiça Militar, Eleitoral, Trabalhista e Federal. A DPU está hoje em aproximadamente 30% dos locais onde há Justiça Federal. Ela está na capital e em algumas cidades do interior. Ou seja, a DPU não interiorizou. Aproximadamente 200 varas federais hoje não têm defensor. A DPU não chegou ainda na população que mais precisa, que é a população mais invisível. Estimamos que 65 milhões de pessoas hoje não têm acesso à Justiça Federal. Então, imagina o quanto de pessoas estão invisibilizadas para o sistema de Justiça.
O déficit de postos na Defensoria Pública contribui para a elitização do acesso à Justiça?
Eu costumo dizer que a Defensoria Pública é aquela onde o povo tem o sim. Um assistido meu me contou uma história: “Luciana, eu passei no INSS, recebi não. Fui no Ibama, recebi não. Aí quando eu cheguei na DPU, foi a primeira vez que eu me vi como cidadão, entendi o porquê que eu recebi aqueles nãos”. Os pobres não estão hoje na mesa da Justiça. A população pobre não foi convidada a participar da mesa da Justiça.
Quantas vagas da DPU precisam ser preenchidas em todo o país para que todos tenham acesso a esse serviço?
São necessários de dois a três defensores nas cidades menores. Hoje, temos aproximadamente 570 cargos vagos. Então, seria necessário preencher esses cargos e interiorizar.
Como isso poderia ser feito?
A Emenda Constitucional 80 estabeleceu um prazo até 2022 para que, onde houvesse um membro do Ministério Público e um juiz federal ou estadual, houvesse um defensor público. Tinham oito anos de prazo. A minha ideia hoje, como presidente da Anadef, é que sejam feitos dois concursos. Não é um custo, é um investimento social em cidadania e dignidade.
Que tipo de dano poderia ser mitigado com a ampliação da Defensoria Pública?
Hoje vemos esse caso das fraudes no INSS. Quantas pessoas vêm sendo descontadas e não sabiam sequer disso? As que procuraram a defensoria conseguiram cancelar esses descontos, mas a maioria da população nem sabia, não tinha esse acesso.
A senhora falou da Justiça Federal, onde a DPU está presente em apenas 30% das varas. A DPU não atua hoje nos outros ramos da Justiça??
Atua na Justiça Militar. Na Trabalhista ela ainda não atua, porque precisamos primeiro chegar na Justiça Federal.
Como as pessoas sem recursos financeiros se viram nesses lugares onde não há Defensoria Pública instalada?
Não se viram muitas vezes. Na área criminal, por exemplo, é possível nomear para casos específicos um advogado dativo (advogado nomeado pelo juiz para defender quem não pode pagar por um advogado particular). Quando a causa é de pequeno porte, a pessoa vai direto à Justiça, sem assistência. Mas, em geral, as pessoas ficam sem o direito e sem o acesso à Justiça.
Quem sofre mais, então, é quem está no interior?
Sim. Os pobres, os vulneráveis, os invisíveis. São indígenas, quilombolas, população de rua, o trabalhador rural, o pescador, o catador. Toda essa população, que é a grande massa dos brasileiros, acaba nem sabendo quais são os seus direitos.
Algumas prefeituras montaram uma estrutura de atendimento jurídico destinada a quem não tem recursos financeiros. Isso funciona?
Tem isso em poucos locais e não tem como funcionar. É preciso ter um órgão independente, autônomo, que possa brigar contra o próprio poder público. Pelas leis internacionais, a Defensoria Pública tem que ser autônoma, porque ela litiga ou concilia, muitas vezes, com o poder público. Precisa ser um órgão forte, com pessoas concursadas, para atender à população que não tem força política, que não tem conhecimento.
Como a DPU planeja vencer esse déficit de profissionais?
A gente propôs uma ação no STF pedindo que o teto do arcabouço fiscal não se aplique aos gastos necessários para interiorizar a DPU. A gente quer uma negociação, A forma como o Judiciário encontrar junto ao governo para que isso aconteça nos interessa e interessa a toda a sociedade. Eu tenho certeza que interessa também interessa o governo, porque onde tem Defensoria Pública, há garantia de reconhecimento de direitos para as comunidades.