Pelo menos cinco pontos do processo serão tema de embate nos primeiros dias de julgamento de Jair Bolsonaro e dos sete réus acusados de crimes à democracia. Advogados de defesa e acusação vão confrontar narrativas sobre os fatos e as regras jurídicas aplicadas para suscitar divergências entre os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). A estratégia busca afastar as chances de um resultado unânime na sentença. 

Presidida pelo ministro Cristiano Zanin, a Primeira Turma do STF inicia nesta terça-feira, 2, o julgamento da ação penal que pode condenar o ex-presidente por golpe de Estado e atentado violento à democracia. A maratona de sessões começa à 9 horas e a sentença de Bolsonaro deve sair até sexta-feira, 12. A pena máxima pedida pela PGR (Procuradoria Geral da República) é de 43 anos de prisão.

O duelo de versões no processo é parte do jogo. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai apresentar os crimes, as provas e os elementos contra os réus em um resumo da acusação, com destaque para os pontos-chave da denúncia. Vai abordar também os tópicos que são alvos das defesas. Os advogados contestam as provas, a falta de elementos para associar crimes aos clientes, interpretações das leis aplicadas e legalidade do processo, entre outros argumentos. A estratégia busca a absolvição ou rejeição de partes da acusação para evitar a unanimidade de entendimento dos ministros em relação ao voto do relator, Alexandre de Moraes, que deve pedir a condenação dos denunciados.

A interpretação da nova lei de crimes à democracia, promulgada por Bolsonaro em 2021, e o seu ineditismo em um julgamento no STF deve dominar esse debate jurídico. O item é o mais propenso a gerar divergências entre os membros da Primeira Turma. Visto como um possível voto contrário ao da maioria do colegiado, o ministro Luiz Fux deu sinais de que essa é uma das controvérsias do julgamento. Para ele, o Supremo tem que definir se a interpretação a ser estabelecida a partir deste julgamento será “punitivista” ou “garantista”. 

Abaixo, os principais pontos que podem gerar divergência:

Lei de crimes contra a democracia
Usada pela primeira vez, será abordada em perspectivas antagônicas pela acusação e pelas defesas. A PGR diz que Bolsonaro referendou o plano “Punhal Verde Amarelo”, que previa até o assassinato de Moraes, Lula e do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. A defesa nega a participação de Bolsonaro nesse fato.

Validades de provas
A PGR diz que as provas são sólidas e atestam o enredo do golpe, iniciado no governo Bolsonaro e que culminou com o 8 de Janeiro. A defesa aponta fragilidade e, também, a nulidade de algumas evidências. Sustenta, ainda, que os documentos do processo não ligam o ex-presidente a crimes, em especial, a atos violentos.

Golpe tentado ou consumado
Gonet entende que estão caracterizados crimes de golpe de Estado e atentado violento à democracia. A defesa de Bolsonaro ataca a tese da trama golpista iniciada em 2021, com atos “preparatórios”, e que culminaram no 8 de Janeiro, um dos atos executórios. Os advogados sustentam que não existe golpe de Estado cometido pelo próprio governante. 

Delação premiada Cid
As defesas atacam a validade do acordo de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Questionam também a veracidade das informações que ele prestou e o uso da delação como pilar da denúncia da PGR. Gonet usou o acordo, mas nega que ele seja essencial para a acusação. 

Turma ou Pleno
Os advogados questionam a realização do julgamento do processo na Primeira Turma. Eles querem que o caso seja submetido ao plenário, para que a decisão seja tomada pelos 11 ministros do Supremo. O tema, porém, é considerado superado pela corte, por já ter sido objeto de análise.

A contestação das provas também tem o objetivo de atrair o voto de Luiz Fux. No julgamento, são exigidas provas acima de qualquer suspeita. Na dúvida, o réu ganha. Em março, quando o Supremo aceitou a denúncia, Fux fez um alerta sobre esse tema: “Não dá para dizer que não houve nada, evidentemente, mas nós precisamos conjugar esses indícios com a prova plena.”

Moraes manifestou-se em mais de um momento sobre seu entendimento quanto à maior parte das divergências buscadas pelas defesas. No mesmo julgamento de março, ele explicou que não se pode confundir “crime de atentar com tentativa de crime”. Na ocasião, o relator argumentou que, se o golpe tivesse sido efetivado, o STF não estaria  julgando esses fatos. 

Se a defesa de Bolsonaro conseguir uma redução de pena para ele, o tempo mínimo previsto pelos cinco crimes imputados é de 12 anos e seis meses de prisão. Os réus são acusados por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.