O presidente Luiz Inácio Lula da Silva usou o encontro nacional do PT, neste domingo, 3, para colocar freios e tentar sanar o que chamou de “picuinhas” internas do partido. No discurso de encerramento, o petista mandou recados e fez cobranças aos militantes, mas também distribuiu afagos aos dirigentes punidos no mensalão e na Operação Lava Jato. Na mensagem principal, ele centrou as orientações em dois grandes objetivos para 2026: a sucessão presidencial e o aumento das bancadas no Congresso.

A maior preocupação demonstrada por Lula no discurso foi em relação à eleição para o Senado, que terá dois terços das cadeiras disputadas no ano que vem. O presidente teme que, na hipótese de ser reeleito, precise lidar com um plenário majoritariamente ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro a partir de 2027. “Nós temos que prestar atenção nisso. Os nossos senadores, nós temos quase todos (disputando a) reeleição. Eles, não. Eles já têm 25 senadores. Se  elegerem 17, eles vão para 41 e vão fazer maioria no Senado”, afirmou o presidente.

Lula também criticou o desempenho do PT nas últimas eleições para a Câmara. “Nosso partido só elegeu 70 deputados de 513. Se fossemos bons como nós pensamos que somos, teríamos eleitos uns 140 pelo menos, 150. Mas esse não é um defeito só do PT, é de toda a esquerda”, disse o petista.

Uma das reclamações do presidente foi sobre candidatos que colocam os planos pessoais acima da estratégia do PT. As iniciativas individuais atrapalham os acordos internos e, também, as alianças com outras siglas. “Aqui nós temos uma coisa muito engraçada: o cara se autodetermina candidato a alguma coisa e depois impõe ao partido a candidatura. Isso para vereador, para deputado estadual, para tudo”, criticou.

O presidente não citou, mas o ministro Fernando Haddad (Fazenda) se movimenta na direção contrária. Mais de uma vez, ele disse que não tem intenção de disputar a próxima eleição. O PT, no entanto, quer que o atual responsável pela economia do país, que aparece bem nas pesquisas para o Senado em São Paulo, concorra em 2026. Para dirigentes da legenda, Haddad não terá como se negar a cumprir uma “missão” partidária.

Mensalão e Lava Jato
Para o público interno, um dos momentos mais significativos do discurso de Lula foi no trecho que tratou do mensalão e da Lava Jato. Quando o telão mostrou uma foto com fundadores do partido, o presidente citou nominalmente alguns petistas punidos nesses dois escândalos. A menção teve o sentido de uma reabilitação dos condenados.

“Nós precisamos, daqui para frente, reparar os erros que cometemos. Se a gente não comenta os erros, podemos continuar cometendo. Estou feliz que o companheiro Delúbio está presente nesta plenária. Acho extremamente importante a volta do José Dirceu à direção nacional, João Vaccari, Genoino”, disse Lula, referindo-se ao ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), aos ex-tesoureiros do PT Delúbio Soares e João Vaccari Neto e ao ex-presidente do partido José Genoino.

Dos nomes citados por Lula, pelo menos um prepara candidatura para 2026: José Dirceu se movimenta para disputar uma vaga de deputado federal.

Saúde: Lula não quer repetir Biden
Ao se dirigir aos petistas, Lula também procurou afastar desconfianças sobre sua saúde na hipótese de disputar mais um mandato. “Para eu ser candidato, eu tenho que ser muito honesto e sincero comigo, eu preciso estar 100% de saúde. Para ser candidato, e depois acontecer o que aconteceu com o Biden, jamais. Não vou enganar o partido”, disse o petista, lembrando o caso recente do ex-presidente americano Joe Biden, que precisou ser substituído na campanha democrata pela então vice, Kamala Harris, derrotada por Donald Trump.

Nesse assunto, Lula mandou uma mensagem otimista aos seus seguidores: “Quando eu falo que eu tenho 80, mas energia de 30, vocês podem acreditar. Hoje eu me sinto mais saudável do que quando tinha 60 ou 65 anos. Eu me cuido mais, tenho uma mulher que me cuida muito”, afirmou, referindo-se à primeira-dama, Janja Lula da Silva, que o acompanhava, ostentando um xale com trama típica da Palestina – o “keffiyeh” ou “shemagh”, que ficou famoso como parte integrante da vestimenta de Yasser Arafat.

Mesmo com ressalvas, a reafirmação da intenção do presidente de se candidatar mais uma vez ao Planalto acontece em um momento de relativa melhora nas pesquisas, após uma relevante queda de popularidade no início do ano. Levantamento divulgado pelo Datafolha no fim de semana apontou Lula à frente dos adversários em todos os cenários no primeiro e no segundo turnos. O petista aparece se descolando, no limite da margem de erro, de Jair Bolsonaro, declarado inelegível, e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

“Futuro sem Lula”
No encerramento do encontro, o ex-prefeito de Araraquara (SP) Edinho Silva foi empossado como novo presidente do PT. Ex-ministro de Dilma Rousseff, ele contou com o apoio de Lula para vencer as alas mais à esquerda do partido nas eleições internas. O resultado da disputa demonstrou, mais uma vez, a influência do presidente nos rumos da legenda.

O próprio Edinho levantou a discussão sobre o futuro do PT sem Lula. “Nós teremos, no próximo período, tarefas fundamentais. Primeiro, temos a responsabilidade de construir o Partido dos Trabalhadores para quando o presidente Lula não estiver mais nas urnas disputando o nosso projeto”, enfatizou.