A coluna noticiou há duas semanas um estudo do Ipea que mostrou que, entre 2005 e 2024, os recursos parlamentares para a assistência social já respondem por quase metade dos recursos do orçamento para essa área. Em 2023, 84,6% das emendas foram destinadas ao custeio de serviços — sinal de que, se o cofinanciamento federal continuar retraído, o Sistema Único de Assistência Social (Suas) poderá depender quase integralmente dos parlamentares.

A tendência é que esse protagonismo se consolide nos próximos anos. A projeção, diante da lei complementar aprovada pelo Congresso no fim de 2024, é que o peso das emendas continue a crescer.

Para a pesquisadora Ana Cleusa Serra Mesquita, do Ipea, o avanço pode custar caro: ameaça a coordenação nacional do Suas e abre espaço para um futuro de serviços fragmentados e desiguais.

“O risco é termos um sistema sem capacidade de garantir continuidade, equidade e eficiência. O que está em jogo não é apenas a gestão do orçamento, mas o futuro da assistência social no Brasil”, disse ela.

Para Mesquita, a consequência será uma política pública cada vez menos planejada e mais desigual.

“À medida que as emendas deixam de ser supletivas e passam a concentrar parcela crescente do orçamento, perde-se a capacidade de coordenação da política pública. O resultado é um sistema mais vulnerável a interesses locais do que a prioridades nacionais”, alertou Mesquita.

O risco, diz a pesquisadora, é cristalizar um modelo orçamentário errático, em que municípios mais bem articulados politicamente terão serviços garantidos, enquanto metade do país seguirá sem acesso a recursos.

“Mais emendas não significam maior bem-estar coletivo. Sem coordenação, são incapazes de enfrentar desigualdades sociais e territoriais”, observou.

Outro ponto de alerta é a opacidade. Sem transparência plena sobre os valores e sua aplicação, cresce a dificuldade de monitorar a eficácia das emendas e avaliar se, de fato, estão fortalecendo a rede de proteção social.