Com o dólar nas alturas e a cotação batendo sucessivos recordes há mais de duas semanas, fica até difícil para um leigo entender ao que se referem exatamente quando falam de “transição tranquila” o presidente Roberto Campos Neto (Banco Central) e o diretor Gabriel Galípolo (Política Monetária). Galípolo substituirá oficialmente Campos Neto a partir de janeiro e, nos últimos meses, tranquilidade não é uma boa palavra para definir o cenário econômico com o qual eles tiveram, e ainda têm, que lidar. No entanto, em meio ao caos fiscal e cambial que tomou conta do país no período, os dois procuram mostrar que a troca de comando do BC não será uma ruptura e estará mais para continuidade.
De um lado, Campos Neto enfatizou que, nos últimos dois meses, Galípolo já era mais presidente do que diretor. Como isso ocorreu, na prática? A palavra de Galípolo, que já estava aprovado pelo Senado para substituí-lo no cargo, teve um peso maior nas discussões do Copom, o comitê que define o tamanho da taxa de juros no país. Apesar de serem nove diretores com direito a um voto cada, dificilmente aqueles de áreas mais administrativas e de fiscalização se opõem ao presidente. Isso mesmo considerando que Política Monetária e Política Econômica são duas diretorias que, também, têm força técnica nas discussões do Copom.
Segundo Campos Neto, “o peso dele (Galípolo) foi sendo cada vez maior, até culminar na última reunião (do Copom)”. Ao afirmar isso, o atual presidente do BC deixa na conta de Gabriel Galípolo a decisão de elevar em um ponto percentual a taxa de juros, anunciada na semana passada, e de sinalizar mais duas altas da mesma magnitude nas duas primeiras reuniões de 2025.
Galípolo não só confirmou como foi além: “Roberto foi delicado ao falar das últimas reuniões. Todos os diretores deram apoio para que a gente tomasse a frente do que aconteceria no processo de decisão desse Copom, inclusive, no guidance”, afirmou. “Muitas vezes, vão achar que a culpa foi de um ou de outro, mas Roberto foi muito claro que entendia que essa reunião era para deixar a responsabilidade comigo”, completou.
Campos Neto teria sido contra?
Nos últimos dias, ganhou força nos bastidores do mercado financeiro a informação de que, inicialmente, Campos Neto teria sido contra contratar antecipadamente as duas altas de juros de um ponto percentual cada para as reuniões do Copom programas para janeiro e março de 2025. E que, depois, ele teria se rendido ao longo do debate na reunião. “Errou quem te disse isso. A decisão foi unânime”, afirmou ao ser questionado pelo PlatôBR durante café da manhã com jornalistas.
No entanto, coube a Galípolo, durante a entrevista, a defesa mais enfática da decisão, deixando a entender, inclusive, que dificilmente haverá mudança no cenário econômico que justifique uma revisão dessa postura pelo BC. Por várias vezes, na conversa com os jornalistas, ele reafirmou que é apegado ao “guidance”, a direção dada de novas altas. “A gente deu um passo claro e transparente de colocar a taxa de juros num patamar restritivo”, afirmou, enfatizando repetidamente que “o guidance tem uma barra alta”.
Apoio de Lula
Além disso, Galípolo acabou deixando claro que, ao contrário de Campos Neto, ele conta com o respaldo do presidente Lula. “O BC tem todas as ferramentas necessárias para perseguir e atingir a meta (de inflação), seja do ponto de vista técnico da política monetária ou institucional”. Segundo ele, “o BC tem toda autonomia e confiança do presidente da República”.
Inclusive, Galípolo conversou com Lula nesta quinta-feira, 19, antes da conversa com a imprensa, sobre a ata do Copom em que os diretores justificam a alta nos juros. Ele disse que o presidente demostrou total “clareza do quanto a inflação é ruim para população” e manifestou “confiança” de que o BC e seus diretores vão fazer tudo para “colocar inflação na meta”.
Esse apoio incondicional à atuação do Banco Central, porém, choca com as primeiras declarações do presidente ao sair do hospital, no final de semana. Lula voltou a criticar a autoridade monetária e chegou a dizer que o BC era irresponsável ao elevar os juros para 12,25% ao ano. Inicialmente, a interpretação foi que a declaração era mais um ataque pessoal a Roberto Campos - é um gesto, porém, que atinge Galípolo e o resto da diretoria.
A partir de 2025, sete dos nove diretores do Banco Central serão indicação direta de Lula, o que levantou dúvidas sobre a autonomia para atuação da autoridade monetária sob o comando de Galípolo. E será essa diretoria que terá que confirmar o aperto monetário já contratado e que respingará no desempenho da economia em 2026, quando o sucesso de Lula será definido nas urnas.