Aliado do governo e filiado ao PSD, partido do Centrão, o senador Otto Alencar (PSD-BA) preside a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), porta de entrada de todos os projetos que chegam ao Senado. Diante dos apoios que fortaleceram na Câmara a proposta de anistia para os condenados pela trama golpista, Alencar avisou ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que em hipótese alguma colocará em votação o projeto que os bolsonaristas pressionam para que entre na pauta do plenário da Câmara.
Em conversa com o PlatôBR, Alencar disse que chegou a consultar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) antes de tomar a decisão de barrar, no Senado, a tramitação da proposta, caso seja aprovada na Câmara.
Embora reconheça o gesto de gratidão do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o senador criticou sua vinda a Brasília para articular apoio à proposta de anistia. “Tarcísio tem tantos problemas para resolver em São Paulo que acho que pedir anistia é uma coisa muito menor para um governador”, disse.
Confira os principais pontos da entrevista:
Como o senhor tem visto as mobilizações da Câmara em relação ao projeto de lei da anistia dos condenados por tentativa de golpe? O senhor estaria disposto a pautar esse assunto na CCJ, caso os deputados aprovem o texto?
Eu concordo com a observação de que essa pauta é inconstitucional. Primeiro, não se pode tratar uma causa tão sensível como essa com um projeto de lei ordinária, que é aprovado com maioria simples e, se for por meio de PEC (Proposta de Emenda à Constituição), na minha visão, que é a visão de alguns ministros com quem eu já conversei, também é inconstitucional. A anistia, nesse caso, eu considero que fere cláusula pétrea, não pode mudar, nem com emenda constitucional. E sendo inconstitucional, eu não vou pautar na CCJ, em hipótese alguma. Isso aí está fora de propósito, absolutamente.
E como o senhor vê a ideia do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), de propor um texto alternativo, que restringiria o alcance da anistia a alguns participantes do 8 de Janeiro que receberam penas duras do STF?
Eu falei com o presidente Davi algumas vezes e, há uns 10 dias, disse ser favorável a uma mudança na legislação que estabelece a pena. Ou seja, isso serviria para aliviar as penas daqueles que foram usados como massa de manobra para fazer a manifestação de 8 de janeiro. Seria uma mudança que incidisse, em alguns casos, na dosimetria da pena. Acho que isso seria possível de o Congresso analisar, colocar em votação e deliberar por maioria. Disso eu sou favorável. Nesse rol eu me refiro àquela senhora que pichou a estátua do Supremo, o cara que quebrou o relógio.
Quem o senhor acha que precisa ficar de fora da anistia?
Esses casos de pessoas manipuladas são completamente diferentes de se ter anistia para membros do plano ‘punhal verde amarelo’, por exemplo, que ameaçaram de morte o presidente Lula, o Alexandre de Moraes e o Geraldo Alckmin. O Rodrigo Pacheco também estava na mira para ser assassinado. Abrandar a pena dessas pessoas é diferente de anistiar os ricos do agronegócio que financiaram o golpe. É diferente de anistiar aqueles militares que deixaram que suas estrelas escurecessem com a tentativa de fazer o golpe e voltar o regime ditatorial. Então, não pode-se querer anistia ampla, geral e irrestrita. Cada caso é um caso.
O senhor acha que houve exagero na aplicação da lei em relação a essas pessoas condenadas e que é necessário se fazer mudança na legislação para se coibir isso?
Essa legislação atual, a meu ver, foi aprovada com a pena muito alta porque votaram nela deputados federais e senadores que tiveram mandatos cassados no regime ditatorial, que foram exilados. Muitos constituintes, inclusive o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi exilado, outros tiveram mandatos cassados, foram perseguidos. Portanto, a Constituição de 1988 é sólida na garantia dos direitos humanos e é muito sólida também para não permitir mais a volta ao regime ditatorial. Portanto, as penas são muito altas. O objetivo dos parlamentares, na época, era dizer assim: “Olha, aqui é um cartão vermelho para vocês, ditadores. Vocês não podem fazer isso, porque a pena vai ser muito alta”. Diante disso, pode-se perfeitamente atualizar para o momento atual e diminuir a pena.
Qual o valor histórico do julgamento que hoje ocorre no STF?
É o valor de dizer “não” aos crimes da ditadura de 1964. No Brasil, não houve a possibilidade de punição, porque na volta do regime democrático não tinha clima para se fazer isso. Então, os que torturaram, agiram para cassar mandato, para exilar as pessoas, ficaram impunes. Agora, há os que pensam na volta da ditadura, e é o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que fez louvação na Câmara Federal ao maior torturador de todos, Brilhante Ustra, que torturou a ex-presidente Dilma. Os que foram para as ruas nessa tentativa de golpe têm essa vontade que o regime de exceção volte.
Como o senhor vê o argumento usado pelos bolsonaristas de que a anistia seria fundamental para pacificar o país?
Isso é uma falácia. Sabe por quê? Porque no período do governo Bolsonaro, nunca houve nenhum sentimento de pacificação. Não podemos nos esquecer de 6 e 7 de setembro de 2021 e de 7 de setembro de 2021 em que eles estimularam a invasão do Supremo. O presidente era Luiz Fux. O governo de Bolsonaro passou o tempo inteiro estimulando a violência. Não podemos esquecer da pandemia, quando ele dizia que que não era coveiro e imitava alguém com falta de ar. Ele perseguia as pessoas que estavam defendendo a ciência. Como falam agora de pacificação, se passaram quatro anos estimulando estado de tensão, de provocação e de violência? Então mudaram? Por que mudaram? Mudaram porque a lei tá sendo cumprida agora. O comportamento de Bolsonaro é o mesmo.
Como o senhor avalia a movimentação pela anistia feita em Brasília pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), nessa semana?
É o é o direito dele. Ele é um governador que chegou ao cargo com o apoio de Bolsonaro e quer mostrar gratidão. Na minha opinião, é uma atitude errada porque ele tem tantos problemas para resolver em São Paulo que acho que pedir anistia é uma coisa muito menor para um governador.