A denúncia que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, entregou nesta terça-feira, 18, ao STF imputa ao ex-presidente Jair Bolsonaro “a responsabilidade pelos atos lesivos à ordem democrática”. Segundo o procurador, o ex-presidente liderava uma organização criminosa “baseada em projeto autoritário de poder”.
Para sustentar a acusação, Gonet rememorou atitudes adotadas por Bolsonaro desde 2021, quando o então presidente fez declarações públicas, em transmissões de internet e em eventos, colocando em xeque a credibilidade do sistema eleitoral.
A PGR menciona, ainda, a reunião com embaixadores em 2022 na qual Bolsonaro repetiu o mesmo discurso. Esses eventos motivaram abertura de processo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que declarou a inelegibilidade do ex-presidente em 2023.
Ainda segundo Gonet, a organização criminosa liderada por Bolsonaro teria oferecido “auxílio moral e material para a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União com violência à pessoa e grave ameaça, emprego de substância inflamável e gerando prejuízo considerável para a União” nos atos de 8 de janeiro de 2023.
Ao narrar a trajetória de Bolsonaro desde a disseminação de notícias falsas contra o sistema eleitoral até os ataques às sedes dos Três Poderes, Gonet tenta dar elementos para os ministros do STF enfrentaram uma tese nova na corte: será preciso definir juridicamente o que difere o desejo de cometer um crime - no caso, aplicar um golpe de Estado - da tentativa de cometer o crime.
O desafio deve ser enfrentado pelos cinco ministros da Primeira Turma, que terão a missão de receber ou não a denúncia - o que, na prática, significa transformar ou não os acusados em réus. A expectativa é que esse julgamento ocorra em março ou abril.
Para Gonet, a organização criminosa estava “enraizada na própria estrutura do Estado e com forte influência de setores militares”. Teria sido observada, ainda, “ordem hierárquica e com divisão das tarefas preponderantes entre seus integrantes”.
Segundo a PGR, outras sete pessoas integravam o núcleo da organização: o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin; o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; o delegado federal Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; os generais Augusto Heleno, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa; e o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Além de ter apresentado denúncia contra Bolsonaro e mais 33, Gonet deixou aberta a possibilidade de encaminhar ao STF, no futuro, outras acusações sobre a idealização do golpe. “Quanto aos demais investigados mencionados no Relatório Final da Polícia Federal, mantêm-se preservada a possibilidade de denúncia, a depender dos novos elementos de convicção produzidos ao longo da instrução processual”, anotou.
O procurador-geral ressaltou que a PF desvendou fatos que “surpreendem e abismam, com notável percuciência técnica e inteligência investigativa”. O procurador ressaltou que o relatório conta com “exata indicação de fontes, provas e indícios altiloquentes”. Acrescentou que a denúncia conta com as mesmas evidências.
No relatório enviado pela Polícia Federal ao Supremo em novembro passado, foram elencados 40 suspeitos. Gonet denunciou 30 pessoas e somou com outras quatro que tinham sido denunciadas pela Polícia Rodoviária Federal: Silvinei Vasques, Marília Ferreira de Alencar, Fernando Souza de Oliveira e Márcio Nunes de Resende Júnior.
Os crimes imputados aos investigados na denúncia são os mesmos: organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deteriorização do patrimônio tombado.
Os 34 denunciados são:
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão da reserva do Exército;
- Alexandre Rodrigues Ramagem, deputado federal, delegado da PF e ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier Santos, almirante, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Gustavo Torres, delegado da PF e ex-ministro da Justiça;
- Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército;
- Augusto Heleno Ribeiro Pereira, general da reserva do Exército e ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Bernardo Romão Correa Netto, coronel do Exército;
- Carlos Cesar Moretzsohn Rocha, engenheiro contratado pelo PL para questionar as urnas;
- Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército que atuou no Comando de Operações Terrestres;
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, general do Exército, ex-comandante do Comando de Operações Terrestres do Exército;
- Fabrício Moreira de Bastos, coronel do Exército;
- Filipe Garcia Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro, apontado como um dos cabeças do chamado Gabinete do Ódio;
- Fernando de Souza Oliveira, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal;
- Giancarlo Gomes Rodrigues, militar do Exército, apontado como integrante da chamada “Abin paralela”;
- Guilherme Marques de Almeida, tenente-coronel do Exército, ex-comandante do Batalhão de Operações Psicológicas, ligado as forças especiais;
- Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército;
- Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Marcelo Bormevet, policial federal, um dos auxiliares mais próximos de Alexandre Ramagem na Abin;
- Marcelo Costa Câmara, coronel do Exército que, como assessor de Jair Bolsonaro, cuidava da coleta de informações de inteligência para o então presidente;
- Marcio Nunes de Resende Júnior, coronel do Exército;
- Mario Fernandes, general da reserva do Exército e ex-número dois da Secretaria-Geral da Presidencia da República e apontado como autor do plano para matar Lula, Geraldo Alckmin;
- Marilia Ferreira de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça;
- Mauro Cesar Barbosa Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro
- Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército;
- Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, influenciador digital, neto de João Figueiredo, presidente do Brasil na ditadura;
- Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, general, ex-comandante do Exército;
- Rafael Martins de Oliveira, major, ligado ao Comando de Operações Especiais do Exército;
- Reginaldo Vieira de Abreu, coronel da reserva do Exército, ex-chefe de gabinete de Mario Fernandes;
- Rodrigo Bezerra de Azevedo; major do Exército, integrante do Comando de Operações Especiais;
- Ronald Ferreira de Araujo Junior, tenente-coronel do Exército;
- Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército;
- Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal;
- Walter Souza Braga Netto, general do Exército, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022;
- Wladimir Matos Soares, policial federal, também apontado como participante do plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.
Gonet e os ministros do Supremo concordam que o ideal é concluir o julgamento dos principais acusados ainda neste ano, para que a discussão criminal afete o menos possível a campanha presidencial de 2026.
As denúncias serão julgadas na Primeira Turma do STF, formada por cinco dos onze ministros da corte: Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristino Zanin. A data do julgamento será agendada por Moraes, que preside o colegiado.
A tendência é que as denúncias sejam recebidas e, em seguida, abertas ações penais contra os acusados. Nessa fase das investigações, serão abertos prazos para depoimentos de testemunhas e acusados, além de produção de provas. Ao final, os réus serão condenados ou absolvidos, também em julgamento na Primeira Turma.
O plano no STF é julgar os acusados considerados mais relevantes de forma presencial. Os demais poderão ser julgados no plenário virtual, um sistema interno do tribunal no qual os ministros depositam seus votos sem a necessidade de debate presencial.
A Primeira Turma se reúne a cada 15 dias para realizar julgamentos. No julgamento das denúncias, porém, o colegiado passará a se reunir semanalmente, para dar agilidade ao caso.