Um parecer que será analisado pela Faculdade de Direito da USP recomendou a anulação de um concurso para professor doutor da universidade, vencido pelo filho de um ministro do STJ.
O motivo para a anulação, conforme a manifestação, foram as cartas de recomendação de ministros do STF, do STJ e do chefe da PGR apresentadas no concurso por Rafael Soares da Fonseca, filho do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. A coluna revelou o caso em 23 março, uma semana depois da conclusão do certame.
A congregação da Faculdade de Direito da USP vai analisar na próxima quinta-feira, 27, o parecer do professor Elival da Silva Ramos, relator do recurso de uma candidata que questionou a vitória de Rafael. Ele dedicou 24 das 152 páginas do seu memorial final na competição só para as cartas de recomendação de nomes como Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Edson Fachin e André Mendonça, do STF, e do PGR Paulo Gonet.
No parecer, Ramos afirmou não haver dúvidas de que as cartas de recomendação não poderiam ter sido apresentadas nos memoriais dos candidatos ao posto de professor doutor. Ele apontou que essas manifestações de apoio violaram as condições de equilíbrio entre os candidatos, “feriram de morte os princípios do julgamento objetivo e da impessoalidade” no certame e configuraram uma “insanável nulidade procedimental”.
Assim, defendeu Elival Ramos, o concurso deve ser anulado e um outro, convocado. Conforme o parecer dele, o novo edital deve prever expressamente a proibição ao uso desse tipo de carta de recomendação.
“Da forma como se encontram redigidos esses documentos incorporados ao memorial do candidato Rafael, não resta dúvida de que constituem autênticas recomendações à Comissão Julgadora em relação ao resultado final do concurso, recomendações essas permeadas por avaliações subjetivas e não comparativas de mérito, do que resulta o seu caráter personalíssimo”, escreveu o professor.
O recurso contra a homologação do resultado do concurso foi apresentado por Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, que estava entre os seis concorrentes da fase final. O parecer de Elival Ramos não concordou com o pedido dela para desclassificar Rafael Soares da Fonseca.
O que dizem as cartas
O documento de Rafael da Fonseca incluiu as missivas de Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Edson Fachin e André Mendonça, do STF; Ribeiro Dantas e Gurgel de Faria, colegas do pai dele no STJ; e de Paulo Gonet, chefe da PGR. O ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira de Carvalho e professores do Direito da UnB também estão entre os que deram referências sobre o jurista. Ele dedicou 24 das 152 páginas do memorial só para esses documentos.
As cartas dos ministros do STF trataram, sobretudo, de passagens de Rafael como assessor de seus gabinetes e de relações acadêmicas — Gilmar, por exemplo, foi orientador do mestrado dele na UnB. Fachin apontou que o assessoramento de Rafael em seu gabinete ia “em átimos de segundo, do prêt-à-porter à haute couture”, ou seja, do trivial ao sofisticado. Toffoli disse que o trabalho do jurista foi “fundamental ao êxito” de sua gestão como presidente do STF. Mendonça também se derramou em elogios: “um dos melhores juristas que conheci”.
O documento assinado por Paulo Gonet lembrou que o atual procurador-geral da República recomendou a contratação de Rafael da Fonseca como professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, em 2017. Gonet, que fundou o instituto ao lado de Gilmar, deixou a sociedade naquele ano. A instituição se chama atualmente Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).