BELÉM — A defesa enfática do presidente Luíz Inácio Lula da Silva durante a Cúpula do Clima para reduzir a dependência global de combustíveis fósseis e aumentar o consumo de biocombustíveis se tornou uma contradição difícil de ser explicada pelo petista e pelos seus auxiliares. Essa incoerência tem sido apontada pelos críticos diante da autorização concedida em outubro pelo Ibama para que a Petrobras faça pesquisa de petróleo na região da foz do rio Amazonas, na Margem Equatorial brasileira. 

A possível exploração de petróleo no local é criticada por ambientalistas que afirmam que a licença para pesquisa concedida à estatal representa um retrocesso para o Brasil na defesa da descarbonização e abre brechas para questionamentos sobre o protagonismo ambiental do país. Tanto Lula quanto seu entorno têm sido ativamente questionados sobre o assunto. Na conversa com jornalistas estrangeiros na última terça-feira, 4, o presidente disse que não seria um “líder falso e mentiroso” que deixaria o anúncio da autorização de pesquisa para depois da COP.

“Se eu fosse um líder falso e mentiroso, eu esperaria passar a COP para anunciar. Mas se eu fizesse isso eu estaria sendo pequeno diante da importância do que significa você fazer o teste na Margem Equatorial. Se tiver que explorar, vamos fazer da forma mais cuidadosa que alguém pode fazer”, disse o presidente na ocasião.

Um técnico do governo argumenta que a licença concedida à Petrobras autoriza somente pesquisas e estudo. Caso se confirme que há petróleo de qualidade no local e a extração é viável, um no novo pedido de licenciamento ambiental será necessário. Todo esse processo — de pesquisa e concessão de nova autorização — pode durar seis anos, segundo esse técnico, auxiliar direto da ministra Marina Silva (Meio Ambiente), já que as exigências serão muito maiores diante dos riscos para a biodiversidade. 

O presidente também concentrou esforços para tirar do papel o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês) para garantir uma ação prática em nível global em meio aos questionamentos sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial. A iniciativa do governo brasileiro prevê pagamentos a países que garantam a conservação das florestas. 

As justificativas
Durante o discurso desta sexta, Lula deu pistas das justificativas que apresentará nos próximos meses para o assunto e que medidas serão tomadas. Segundo o presidente, o mundo precisa de um “mapa do caminho claro para acabar com essa dependência” dos combustíveis fósseis. Além disso, ele disse que esse processo de “afastamento” deve ser “justo, ordenado e equitativo”.

Na prática, Lula sinalizou que o processo de substituição não será tão rápido quanto muitos esperam, e que a convivência com combustíveis fósseis será necessária por um período relevante. “Direcionar parte dos lucros com a exploração de petróleo para transição energética permanece um caminho válido para os países em desenvolvimento. O Brasil estabelecerá um fundo dessa natureza para financiar o enfrentamento da mudança do clima e promover justiça climática”, disse o petista. 

Segundo diplomatas e técnicos do Ministério de Minas e Energia ouvidos pelo PlatôBR, as afirmações de fato indicam o caminho que será adotado pelo governo brasileiro. Eles apontam que não há contradição entre defender a redução do uso de combustíveis fósseis e autorizar a pesquisa da Petrobras na Margem Equatorial porque as fontes de energias renováveis disponíveis ainda ainda são insuficientes para atender a demanda existente. A transição, assim, tende a durar ainda por um tempo. 

Além disso, os técnicos do governo destacaram que o dinheiro do petróleo bancará parte da transição energética e relembraram que o Brasil é o segundo maior produtor de biocombustíveis, o que favorecerá a transição para uma economia de baixo carbono.