A primeira evidência é a recuperação da popularidade do governo do presidente Lula, reconhecendo o esforço dos últimos meses: a distância entre a parcela da população que aprova (46%) e a que desaprova (51%) o governo caiu à metade no período de um mês, passando de dez para apenas cinco pontos percentuais. A aprovação do governo cresceu em todos os segmentos, melhorou nacionalmente e se tornou positiva inclusive em estados mais marcadamente dominados pela direita, confirmando uma tendência que já estava apontada desde a última pesquisa da Quaest.

Unindo a outros dados trazidos pela pesquisa, os números demonstram também que a percepção da população em relação à economia melhorou significativamente, com atenção especial ao preço dos alimentos. Em março, 88% dos entrevistados viam aumento do preço dos alimentos nos mercados em relação ao mês anterior. Esse percentual caiu para 79% em maio, 76% em julho e chegou a 60% agora em agosto. No mesmo intervalo de tempo, a fatia dos que entendem que o preço caiu pulou de 7% para 18%. Um sinal evidente de que o País está percebendo que a economia tem ganhado tração.

Mas a avaliação mais relevante trazida pela pesquisa é a percepção popular em relação ao tarifaço e às sanções impostas por Donald Trump ao Brasil, em ato explícito de intromissão em nossas instituições e violação da soberania nacional em favor de Jair Bolsonaro. E aqui há dois movimentos paralelos, com avaliações contrárias que convergem numa mesma direção.

De um lado, o reconhecimento do acerto da reação do governo Lula às medidas de Trump contra o País. Para 48%, Lula e o PT estão fazendo o que é mais certo no caso das tarifas. Segundo 49%, Lula está agindo em defesa do Brasil ao contestar as ações dos EUA e ativar um discurso de defesa da soberania nacional. Por outro lado, uma parcela muito significativa da população viu criticamente a postura de Bolsonaro e seus filhos, pois claramente, movidos pelo único interesse de livrar o ex-presidente do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, trabalharam explicitamente contra o Brasil – e, igualmente, enxergou uma postura ruim, de omissão ou de apoio à ação dos EUA contra os interesses brasileiros.

Em síntese, a pesquisa mostrou que a maior parcela do Brasil não aceitará passivamente o oportunismo dos bolsonaristas, inclusive os governadores que têm ambições de disputar a Presidência da República pela direita. Os números escancaram o caráter tóxico desse casamento e reafirma o óbvio: não há como governadores-candidatos quererem se apresentar como liberais e democratas e, ao mesmo tempo, lamber as botas de Bolsonaro e golpistas em geral. Simplesmente não cola. Enquanto Lula é a autoridade com maior percentual de aprovação (44%) pela forma com que vem atuando no combate à crise provocada por Trump e Bolsonaro, nomes como Tarcísio de Freitas (24%), Ronaldo Caiado (16%), Ratinho Júnior (19%) e Romeu Zema (17%) exibem números muito mais modestos.

Quase sete entre dez brasileiros avaliam que Eduardo Bolsonaro defende os interesses dele e da família, e não os do Brasil, e 55% acham que filho e pai agiram mal no tarifaço. Outros 35% consideram que Tarcísio agiu mal; Ratinho Júnior, 30%; Caiado, 31%; e Zema, 33%. São evidências de que, ao agir como agiram, os governadores – quase todos autointitulados democratas, mas que, por oportunismo ou convicção, se abraçam a Bolsonaro no questionamento de nossas instituições, mesmo à custa da independência do nosso Poder Judiciário e dos interesses nacionais. Não pensaram direito ou foram tomados pela miopia política e econômica, sem perceber o óbvio: essa é a batalha decisiva que o Brasil está enfrentando, a maior e mais desafiadora de todas. E eles escolheram o seu lado, o lado de Bolsonaro e de Trump. Contra o Brasil.

Os números da Quaest mostram que a narrativa deles não vingou. Tentaram transformar o ataque e a agressão do governo Trump à soberania, ao Estado, à Constituição e à democracia do Brasil em falta de diálogo do presidente Lula. Ignoraram, ou fingiram ignorar, a característica essencial da política externa de Trump, fonte inspiradora da extrema direita e do neofascismo internacional: uma política que gera instabilidades econômicas em nível global, impõe riscos à paz e à soberania de outros países em múltiplas fronteiras e exerce um novo tipo de imperialismo a fim de evitar o fortalecimento do Brics e a construção de uma nova ordem internacional, na qual os EUA não têm o poder de ditar o mundo.

Para Bolsonaro e seus governadores bajuladores, o Brasil deveria capitular e se submeter, e não enfrentar com firmeza em defesa de si mesmo. É essa a direita que deseja governar o Brasil – como vassalos de Bolsonaro e de Trump.

E se havia alguma dúvida dessa vassalagem, a revelação das mensagens trocadas entre Jair, Eduardo Bolsonaro e o pastor Silas Malafaia elimina qualquer suspeita. Os diálogos são uma prova inconteste de uma conspiração feita por eles contra o Brasil. Além das ofensas e xingamentos mútuos, as mensagens revelam a chantagem, a conspiração e a comemoração das sanções trumpistas contra nossa economia. Demonstram os métodos e as motivações ao tramarem contra a Justiça brasileira, sem se importarem com as consequências para o país e sua população. Reafirmam o que já sabemos, isto é, seu desprezo pelas instituições, pela democracia e pela soberania nacional. Uma vergonha.

Mas as evidências vexatórias não param aí. Chama a atenção, em especial, a forma como o próprio Eduardo Bolsonaro se refere a Tarcísio de Freitas, o favorito da direita que não se envergonha de pensar e agir contra o Brasil. Além de cobrar fidelidade canina, define a ‘solução Tarcísio’ como o que é de fato, alguém mais preocupado em “resolver a vida da Faria Lima”.

Não é de hoje que temos insistido que setores do empresariado e da direita brasileira se submetem aos interesses das big techs e das empresas de cartão de crédito norte-americanas contra a regulação e contra o nosso Pix, e à humilhante proposta de trocar nossa independência pelos minerais críticos. Esses mesmos setores sabem que Trump não indicou seu embaixador no Brasil e transformou Eduardo Bolsonaro num usurpador dos interesses brasileiros, um conselheiro do presidente dos EUA sobre o Brasil e o protagonista de um ato de traição nacional. Sabem, por fim, que o presidente Lula tem agido segundo o que recomenda a Constituição, a tradição de nossa política externa e os princípios elementares de soberania.

É o que os números da Quaest confirmam, e eles deixam claro a oportunidade e a necessidade de uma verdadeira mobilização nacional. Esse é um momento digno de uma união entre todos e todas que defendem a independência, a democracia e a nossa soberania, com um projeto nacional de desenvolvimento, coisas que o bolsonarismo ignora. Aliás, não só o bolsonarismo como também seus sócios menores, como os governadores-candidatos. Essa mobilização será útil para defender o Brasil das sanções e ameaças como também mostrar a todos os brasileiros que os que que apoiaram o clã Bolsonaro, o PL e o bolsonarismo, financiando a tentativa de golpe, continuam financiando um grupo que claramente está organizando uma intervenção externa nas eleições de 2026. Esse grupo e seus bajuladores pagarão um preço alto, porque para a população já ficou claro: quem está com Trump está contra o Brasil.

José Dirceu é um político brasileiro, advogado, consultor e militante de esquerda com uma longa trajetória no cenário político do país. Autor de três livros – Abaixo a Ditadura (1998), Tempos de Planície (2011) e Zé Dirceu – Memórias volume 1. Iniciou sua militância política durante os anos de ditadura militar no Brasil, engajando-se no movimento estudantil, do qual foi líder entre 1965 e 1968. Foi deputado estadual por São Paulo, exerceu três mandatos de deputado federal, e ministro-chefe da Casa Civil durante o primeiro Governo Lula, em 2003. Foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, seu secretário-geral e presidente por quatro mandatos