A crise atual que atinge o Supremo é qualitativamente mais grave do que as turbulências enfrentadas pela Corte nos últimos anos, porque muda o alvo, o tipo de acusação e o terreno do conflito.
Durante o ciclo mais intenso de ataques ao STF — especialmente entre 2019 e 2022 — as críticas se concentravam nas decisões judiciais. Eram embates de natureza institucional e jurídica, ainda que frequentemente atravessados por retórica política: acusações de “ativismo judicial”, “autoritarismo” ou supostos excessos em medidas contra a desinformação e ataques à democracia, embora estivessem na maior parte das vezes protegendo a democracia contra os ataques do bolsonarismo. Em comum, essas críticas miravam atos do tribunal, não a conduta privada ou as relações pessoais de seus integrantes.
O cenário atual é diferente, e mais corrosivo. O foco deixou de ser o conteúdo das decisões e passou a ser a integridade individual dos ministros. As críticas agora se organizam em torno de alegações sobre proximidade indevida com interesses privados, tendo como epicentro o empresário Daniel Vorcaro, ligado ao Banco Master. No centro da controvérsia estão o ministro Alexandre de Moraes, por conta de suposta atuação a favor do Master junto ao Banco Central e à atuação profissional do escritório de sua esposa em contrato envolvendo o banco, e o ministro Dias Toffoli, sobre o uso de um avião privado em que estava um dos advogados do Master. São episódios que, independentemente de seus desdobramentos ou esclarecimentos formais, deslocam o debate para a esfera ética e reputacional.
Esse deslocamento é o ponto central da gravidade. Quando a crítica é jurídica, o STF pode responder com fundamentos legais, votos, precedentes e transparência processual. Quando a crítica incide sobre conflitos de interesse, relações pessoais e potenciais vantagens privadas, o dano é mais difícil de conter. A presunção de imparcialidade, pilar da autoridade judicial, passa a ser questionada não por discordância ideológica, mas por suspeita de captura.
Há ainda um segundo agravante: esse tipo de ataque transcende campos políticos tradicionais. Diferentemente das ofensivas anteriores, associadas majoritariamente à extrema direita ou a grupos específicos, a narrativa atual encontra ressonância em setores mais amplos da opinião pública. Não se trata apenas de disputa política, mas de um teste de credibilidade institucional.
Por fim, a crise ocorre num momento em que o STF ocupa posição central no sistema político brasileiro, mediando conflitos entre Poderes, arbitrando disputas sensíveis e funcionando como anteparo contra rupturas democráticas.
Quanto maior o protagonismo, maior a exigência de distanciamento absoluto de interesses privados.
É por isso que a crise atual é mais profunda do que as anteriores. Ela não contesta apenas o que o STF decide, mas quem decide, e em que condições.
