Pode escrever: a Transparência Internacional (TI), principal organização não-governamental global de combate à corrupção, certamente será alvo de pancadas nos próximos dias aqui no Brasil. Todo ano é assim. Quando a ONG divulga o Índice de Percepção da Corrupção (IPC), como fez nesta terça-feira, 11, o governo da vez desqualifica os dados e ataca a entidade, numa tentativa de desviar a atenção para os diagnósticos incômodos apresentados no relatório. Assim foi nos governos Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e Lula — e também por outros atores, fora do governo.
Ao longo desses anos, a TI bateu em Chico e em Francisco. Em 2014, ano em que explodiu a Operação Lava Jato, sob o governo Dilma, a ONG descreveu o escândalo da Petrobras como desvio de “bilhões de dólares da maior empresa do país para os cofres dos partidos políticos e mãos privadas”. Em 2017, com Temer no Planalto, a organização avaliou que não houve “resposta sistêmica ao problema; ao contrário, a velha política que se aferra ao poder sabota qualquer intento neste sentido”.
Sobre o primeiro ano do governo Bolsonaro, em 2019, a análise foi que “há uma crescente interferência política do presidente Bolsonaro nos chamados órgãos de controle”. Em 2023, no atual governo Lula, a Transparência Internacional observou “sinais de piora nos termos atuais de barganha entre governo federal e Congresso, com a reintrodução de outra grande moeda de troca política: o loteamento das estatais”.
Valendo-se das arbitrariedades e dos erros cometidos pela Lava Jato, o movimento para frear o combate à corrupção também mirou a ONG. De maneira transversal, integrantes dos governos Temer, Bolsonaro e Lula, advogados, ministros de tribunais superiores e um punhado de empresas, reforçaram o coro contra o IPC e a TI.
Numa das principais trincheiras de ataque à organização está Dias Toffoli, ministro do STF, que ignorou parecer do PGR Paulo Gonet contra um procedimento que se propõe a investigar fatos que já foram esclarecidos sobre a relação da TI com o fundo que o MPF em Curitiba, no auge da Lava Jato, planejou criar, para gerir o dinheiro das multas das empresas condenadas por corrupção. A organização e a Procuradoria-Geral da República já provaram que nunca houve sequer pretensão de haver qualquer ingerência da TI no manejo daqueles recursos. O não-fato, porém, segue sendo objeto de um procedimento que Toffoli mantém aberto.
Outro agente poderoso contra a TI é a JBS, que faz uma perseguição judicial e pública à atuação da organização. A empresa já chegou a disseminar dossiês entre jornalistas com mensagens da Vaza Jato descontextualizadas para tentar minar a credibilidade da organização.
O IPC levado a público pela Transparência nesta terça mostra que o Brasil registrou 34 pontos em uma escala de zero a 100, em que, quanto maior o número, maior a percepção de integridade. O país ocupa a constrangedora 107ª posição em um ranking com 180 países. Essas são a pior nota e a pior classificação do Brasil na série histórica do índice, iniciada em 2012.
O governo Lula deveria prestar atenção ao que diz a TI, ainda que não fosse pelo desejo genuíno de combater a corrupção. Se o governo falar e fizer mais para prevenir e enfrentar a corrupção, isso poderia aumentar suas chances eleitorais no ano que vem. Dilma foi eleita e reeleita também porque tinha políticas públicas sérias nesta área.
O eleitor que considera o combate à corrupção uma prioridade não se vê representado no governo Lula. A entidade, inclusive, chama a atenção no relatório do IPC para o fato de o petista ser um presidente que até evita pronunciar a palavra “corrupção”.
O STF também deveria prestar atenção, em meio à inevitável sensação de impunidade causada pela série de anulações de casos de corrupção promovidas pela Corte.
É muito mais fácil, no entanto, atacar o mensageiro e não prestar atenção na mensagem, não ouvir a crítica. É o que ocorre frequentemente em ataques ao Jornalismo. É bom a Transparência Internacional preparar o band-aid.