Jair Bolsonaro estava nos Estados Unidos quando eclodiu o 8 de Janeiro no Brasil. Seus defensores usam a ausência dele do país para afirmar que seria injusto condená-lo por eventos nos quais ele não estava presente. O jurista Ademar Borges de Sousa Filho, especialista em direito penal e constitucional, explicou por que a PGR imputou ao ex-presidente essa responsabilidade: a lei brasileira institui uma responsabilidade penal por omissão e não só por ação.

“Na letra da lei, aquele que cria com o seu comportamento anterior o risco de ocorrência do resultado, fica obrigado a impedi-lo, sob pena de responder pelo resultado por omissão”, disse Borges em entrevista ao programa Matinal, do canal Amado Mundo.

Segundo o jurista, esse é o questionamento que será discutido esta semana no julgamento de Jair Bolsonaro no STF. A denúncia da PGR, lembra Borges, afirma que o ex-presidente agiu para que a militância radical se mantivesse mobilizada nos acampamentos golpistas em frente aos quartéis e foi responsável pela tentativa de deslegitimação do processo eleitoral.

A denúncia de Paulo Gonet apontou ainda falas públicas de Bolsonaro que mantiveram esses bolsonaristas acampados, aguardando uma intervenção militar.

“A pergunta jurídica que o Supremo tem que responder é: as condutas que Bolsonaro praticou criaram risco da produção do resultado 8 de Janeiro? Se a resposta for positiva, ele pode ser responsabilizado por omissão pelo 8 de Janeiro, embora não estivesse aqui, porque teria o dever de publicamente, expressamente, desmobilizar as pessoas que ele próprio mobilizou”, afirmou Borges.

Ademar Borges de Sousa Filho

Ademar Borges de Sousa Filho em entrevista ao Matinal, do Amado Mundo

Crimes parecidos?

Ademar Borges também esclareceu uma dúvida que tem permeado as discussões sobre dois crimes imputados ao ex-presidente e seu núcleo próximo: tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado de Direito.

“Esses dois tipos penais têm objetos de proteção um pouco diferentes. A tentativa de abolição da democracia, ela pode se dar, por exemplo, com ataques ao Poder Legislativo ou ao Poder Judiciário. E até, muito frequentemente, é isso que acontece nos dias atuais. Já a tentativa de golpe é simplesmente a tentativa de deposição do governo eleito. Essa é a diferença básica entre os dois tipos”, pontuou.

Borges lembrou que réus do 8 de Janeiro já foram condenados pelos dois crimes “porque se entendeu àquela altura que o ataque se deu tanto aos poderes Judiciário e Legislativo, quanto ao Executivo na perspectiva de tentar depor o governo legitimamente eleito”.

“Bolsonaro é acusado de crimes praticados contra a democracia durante o seu mandato, de abolição do Estado Democrático de Direito. Mas o ex-presidente também é denunciado pelo 8 de Janeiro. Nessa perspectiva, ele é acusado mais especificamente da tentativa de golpe, porque o novo governo já tinha assumido e havia essa perspectiva de tentar depor o governo legitimamente eleito”, disse.

Borges afirmou ainda que outros países, como Alemanha e Portugal, preveem crimes parecidos com o da lei brasileira no que diz respeito à tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. “Mas os tipos penais têm pequenas diferenças. Por exemplo, Alemanha e Portugal usam a expressão violência ou ameaça de violência. O Brasil usa a expressão ‘violência ou grave ameaça’. A grave ameaça é menos do que a ameaça de violência.”