O novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), nem tinha nascido quando a Constituição foi promulgada, mas no discurso de posse a memória do deputado Ulysses Guimarães guiou os trechos de maior relevância política. Boa parte do pronunciamento feito pelo paraibano no sábado, 1º, teve como referência as palavras que o presidente da Assembleia Nacional Constituinte dirigiu à Nação no dia da promulgação da Carta Magna.
Em parte, o resgate dos posicionamentos de Ulysses reafirmou o espírito e princípios da redemocratização do país. Nos pontos mais sensíveis no cenário atual, porém, Motta usou o discurso de Ulysses no dia 5 de outubro de 1988 para defender as prerrogativas atuais do Congresso. Se, por um lado, reafirmou os compromissos da Nova República, por outro lado o presidente da Câmara aproveitou as palavras do Senhor Diretas para demarcar espaço na disputa de poder com o Executivo.
“Ao contrário dos debates parciais, o Parlamento jamais avançou em suas prerrogativas. Foi justamente o contrário. A vontade dos Constituintes originários foi adiada por quase quatro décadas. E qual vontade era essa? Ninguém é melhor para descrevê-la do que o próprio Ulysses Guimarães, em seu histórico discurso de promulgação da Carta de 1988”, disse Motta.
Na sequência, o presidente da Câmara abriu aspas para o discurso da promulgação: “Pontificou Ulysses: ‘Se a democracia é o governo da lei, não só ao elaborá-la, mas também para cumpri-la, são governo o Executivo e o Legislativo’. Repito o que disse Ulysses: ‘São governo o Executivo e o Legislativo’”. No mesmo sentido, Motta usou mais uma frase de Ulysses: “O Legislativo brasileiro investiu-se das competências dos parlamentos contemporâneos”.
Motta faz em seguida uma interpretação de outro trecho do discurso de Ulysses: “Ele (Ulysses) afirmava que o presidencialismo absoluto deixava de existir com a nova Constituição. Isso ocorreu já em 1988”.
No conjunto, observa-se que Motta se valeu das palavras de Ulysses e das conquistas do Congresso no momento de contraposição à ditadura para se fortalecer na disputa atual com o Planalto - e, ainda, com o STF.
O texto constitucional, aborda por exemplo, as prerrogativas políticas, como a imunidade parlamentar, preceito que procurou garantir os mandatos parlamentares depois das cassações impostas pelos militares.
Ao recorrer a Ulysses, o presidente da Câmara quer assegurar outros mecanismos de fortalecimento do Legislativo frente ao Executivo – sobretudo o controle sobre o Orçamento da União.
A capacidade de definir a destinação de recursos aumentou ao longo das quatro décadas, principalmente nos últimos dez anos, e chegou ao ponto máximo a partir do governo Bolsonaro, com a institucionalização do chamado “Orçamento Secreto”.
Sobre orçamento e emendas parlamentares, a briga do Congresso se estende para Judiciário. Desde o ano passado, o ministro Flávio Dino emite decisões que cobram transparência na execução das emendas, fato que fez escalar as tensões com o Legislativo. Esse será um dos assuntos mais importantes para a política brasileira em 2025 e, por isso, Motta mandou seus recados ao tomar posse.
Do discurso de sábado, vale ressaltar um pouco mais a defesa firme da democracia feita pelo novo presidente da Câmara. Dois anos depois das invasões às sedes dos poderes em 8 de janeiro, um dos chefes do Legislativo deixou explícito sua aversão à ditadura. Depois de dizer que tem origem no MDB (ou PMDB), relembrou as palavras mais conhecidas de Ulysses: “Tenho ódio e nojo à ditadura”.
E, em um gesto ainda mais simbólico, Motta levantou um exemplar da Constituição acima da cabeça, gesto mais marcante de Ulysses no dia da promulgação.
Àquela altura, o deputado paraibano ainda nem tinha nascido: Motta veio ao mundo em setembro de 1989, ano da primeira eleição para o Planalto depois da queda dos militares. Aos 36 anos, incompletos, o presidente da Câmara é um pouquinho mais novo do que a Constituição, mas demonstra a ambição de um veterano para interpretá-la.