Uma norma dos tribunais, nem sempre seguida, é que juiz não se pronuncia sobre o caso fora do processo. A leitura da pauta de julgamento de uma corte e das decisões de seus membros, porém, pode mostrar aquilo que o magistrado não pode dizer. No STF (Supremo Tribunal Federal), a agenda da semana avançou em temas incômodos para parlamentares, em especial, os bolsonaristas.
Em meio às pressões do Congresso por anistia dos condenados por tentativa de golpe, entraram na ordem do dia o indulto dado por Bolsonaro a policiais em 2022, a emendas “Pix”, a lei de impeachment de ministros e suspeitas de corrupção na pandemia de covid-19.
A última iniciativa, por ordem de Flávio Dino, foi a abertura de um inquérito da Polícia Federal para apurar crimes de corrupção e fraudes em licitações no governo Bolsonaro durante a pandemia, com base nos dados do relatório final da CPI da covid, de 2021.
Vistas no conjunto, essas decisões mostram os movimentos recentes do Supremo direcionados a temas espinhosos para o mundo político. Abaixo, os exemplos.
Corrupção na pandemia
O inquérito foi pedido pela PF no final de 2024. Se confirmadas as suspeitas, pode atingir o ex-presidente e três filhos: o senador Flávio (PL-RJ), o deputado Eduardo (PL-SP) e o vereador Carlos (RJ). O relatório da CPI da covid é a base do inquérito e tem nomes de aliados de Bolsonaro: a deputada Bia Kicis (PL-RJ), a ex-deputada Carla Zambelli (PL-SP), presa na Itália, e os empresários Luciano Hang e Carlos Wizard.
Com prazo de 60 dias, a PF pode concluir ainda este ano o inquérito. Se comprovadas as suspeitas, Bolsonaro pode ter acrescido em suja ficha criminal o indiciamento por corrupção, depois da condenação na semana passada a 27 anos e 3 meses de prisão por golpe de Estado.
“Destaco que a investigação parlamentar apontou indícios de crimes contra a administração pública, notadamente em contratos, fraudes em licitações, superfaturamentos, desvio de recursos públicos, assinatura de contratos com empresas de ‘fachada’ para prestação de serviços genéricos ou fictícios, dentre outros ilícitos mencionados no relatório da CPI”, registra o despacho do STF.
Indulto
Na quarta-feira, 17, entrou na pauta de julgamentos do plenário da corte um processo que pode anular o indulto concedido, em 2022, por Bolsonaro a policiais militares do massacre do Carandiru, de 1992 – 111 presos morreram. A análise do caso ficou para a sessão desta quinta-feira.
Além do debate do fato em julgamento, ministros devem apresentar a reprovação natural à possibilidade de perdão, anistia ou clemência para condenados, como a proposta pelo Congresso. A maioria dos membros já afirmou ser impossível uma anistia de qualquer tipo, geral ou moderada, para crimes contra a democracia.
Impeachment
A cassação de ministros do Supremo também entrou na ordem do dia. O decano (mais antigo membro da corte) Gilmar Mendes mandou o Congresso e o Planalto informarem sobre a existência e andamento de pedidos de impeachment de ministros. Relator de uma ação sobre falhas na lei de regras de cassação de membros do Supremo, Gilmar deu cinco dias para a PGR (Procuradoria Geral da República) e a AGU (Advocacia Geral da União) se manifestarem.
Aliados de Bolsonaro defendem a cassação de Alexandre de Moraes, relator do processo que condenou o ex-presidente. Em evento em São Paulo nesta semana, Gilmar Mendes mandou o recado ao Congresso sobre o tema: “Não espero que o Senado venha a agir para buscar vindita em relação ao STF. Impeachment deve ser um processo regular. Se for por conta de voto de ministro, seria irregular. O STF não vai aceitar.”
Emendas pix
Na terça-feira, 16, Dino avançou em outra frente que preocupa congressistas, não só da oposição. Relator de processo sobre possíveis desvios de recursos da União via emendas parlamentares, ele apontou nove cidades que devem ser investigadas. O ministro deu quinze dias para a PGR, a AGU e o TCU (Tribunal de Contas da União) se manifestem e apresentem cronograma detalhado para as investigações, de emendas de 2020 a 2024. A medida acelera o fim das apurações, enquanto Congresso avança com as medidas de blindagem a parlamentares.