Ex-ministro e ex-tesoureiro de campanha de Dilma Rousseff, Edinho Silva, favorito para suceder a deputada Gleisi Hoffmann na presidência do PT a partir de 2025 com apoio do presidente Lula, vê dificuldades na comunicação do partido com a classe média.
Em entrevista ao PlatôBR (assista aqui), Edinho admitiu ser esse um dos fatores que levaram o partido a sofrer derrotas em várias capitais nas últimas eleições municipais – o partido só venceu em Fortaleza (CE) – e em outras cidades grandes e médias, como Araraquara, no interior de São Paulo, onde ele é prefeito.
Para o ex-ministro da Comunicação de Dilma, hoje a classe média “desacredita na democracia representativa”, “começa a votar contra tudo o que existe” e “contra o Estado” e “começa a contaminar a classe média mais popular”.
Edinho Silva é o nome preferido de Lula na eleição interna para comandar o PT, prevista para o ano que vem. Sobre a atual ocupante do posto, Gleisi Hoffmann, cotada para assumir um ministério, o ex-ministro disse que ela “tem estatura e capacidade para ser ministra de qualquer pasta” do governo.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Dificuldade do PT com a classe média
“Ela (a classe média) desacredita na democracia, ela desacredita a democracia representativa e ela começa a votar contra tudo que existe. Ela vota contra o Estado, vota contra o Judiciário, vota contra as instituições. E eu penso que esse sentimento começa a contaminar a classe média mais popular. Nós vimos os resultados das eleições de 24. Nós ganhamos muitas vezes nas periferias, mas ganhamos de forma muito apertada. Onde a classe média tem presença, ela é extensa, nós tivemos muitas dificuldades eleitorais, inclusive nas capitais do Nordeste.
Glesi ministra?
“Olha, eu tenho um respeito imenso pela Gleisi, inclusive na sua reeleição eu fui talvez um dos maiores defensores de sua reeleição. Fiz um debate muito duro dentro do PT para que a Gleisi fosse reeleita. Então é uma figura que eu tenho um respeito imenso e um carinho muito grande. A Gleisi tem estatura e capacidade para ser ministra de qualquer pasta do governo presidente Lula. O que precisa ser perguntado é onde é que ela ajuda mais no nosso projeto. Porque ela sempre vai ser uma construtora do projeto que todos nós defendemos.”
A direita e o momento internacional
“Hoje, o Brasil vive muitas vezes debates inspirados no fascismo. Do ponto de vista histórico, o Partido dos Trabalhadores tem que liderar um campo democrático. Tem que ser um partido que seja capaz de articular um campo democrático para que a gente possa isolar e derrotar o fascismo no Brasil e mostrar ao mundo, inclusive, que é possível nós enfrentarmos essas manifestações políticas, que não são manifestações políticas brasileiras. Elas não são, infelizmente, algo nacional. É um movimento internacional que nós estamos vendo.”
Mudanças no mercado de trabalho
“Eu penso que nós estamos vendo profundas transformações na organização do mundo do trabalho (…) Não são pequenas. Tem profissão que o menino, a menina, recorta vídeo, impulsiona vídeo. Tem gente que vive trabalhando dessa forma. Tem gente que vive só gerando impulsionamento em redes sociais. Você tem pessoas que vivem em home office fazendo trabalho de call center em home office. (...) Se eu te falar hoje que a maior profissão do Brasil é a do moto-entregador? Há dez anos, se eu falasse isso, você ia dizer que eu estava ficando louco. (...) Tem uma série de novas profissões que (…) que estão emergindo, que estão surgindo e que muitas vezes o movimento sindical não consegue dialogar porque eles não estão dentro da fábrica, eles não estão dentro da loja, eles não estão dentro do banco, eles não estão dentro da escola. São trabalhadores que não têm vínculo de emprego, mas que estão aí, são trabalhadores, tem momentos de caos, têm dificuldade (...) O partido também tem dificuldade de entender. São desafios colocados por esse momento histórico que nós estamos vivendo.”
Conexão com as igrejas
“Nós temos que ter mais proximidade com esses setores sociais que tem se distanciado de nós, que votaram contra nós em 2024. Então, é o partido voltar de fato a ter uma presença mais cotidiana junto a essas novas profissões. E (…) no movimento social, no movimento sindical, ter uma presença mais cotidiana. Porque às vezes a gente fica criticando: ‘não, porque a nossa base social está indo para as religiões evangélicas’. Olha, eu acho que isso não pode ser um problema. O que nós temos é que ter proximidade com as religiões evangélicas, com as manifestações religiosas... O PT sempre teve uma presença grande (...) A Igreja Católica é uma parte importante da nossa base social. Tem uma presença grande.”
Regulamentação das redes
“Eu penso que a internet e o advento das redes sociais democratizou de uma tal forma a comunicação que era tudo o que a gente sempre sonhou. Nós que temos uma trajetória democrática, popular, de centro-esquerda e de esquerda, a gente sempre quis que a comunicação fosse democratizada. Hoje eu ponho aqui você sintonizado com uma rede social. Você é um produtor de conteúdo. Nós estamos aqui produzindo conteúdo que vai usar a internet para ser divulgado. Então, isso é uma revolução do ponto de vista da democratização da nossa capacidade de expressão, de nós expressarmos o que nós pensamos. Então, eu sou muito defensor disso. Agora, eu não sou defensor de que você pegue essa democratização e transforme ela num instrumento de remuneração e de enriquecimento dos proprietários, dos entes que são proprietários das redes, de tal forma que você incentive a manipulação, a fake news, que você incentive o engajamento por coisas que são nocivas para a sociedade, que são extremamente nocivas.
Então, eu penso que o desafio da comunicação primeiro passa por nós debatermos a regulamentação. Segundo, também é comunicação. Muitas vezes a gente acha que é só o meio, a gente fica debatendo o meio. Vamos debater a comunicação da televisão, do rádio, das redes sociais, da mídia impressa, daquilo que está hoje na TV, no rádio.”
Crença na política
“Precisamos reencantar as pessoas com a política. As pessoas têm que acreditar que a política é o único instrumento de crescimento coletivo, que é a única forma de nós transformarmos coletivamente, (...) a única forma de nós construírmos saídas para que a sociedade supere as suas mazelas. Que o enfraquecimento da política significa o fortalecimento do autoritarismo, significa o fortalecimento de concepções que, lá na frente, inevitavelmente, essas concepções vão penalizar o indivíduo, vão penalizar as pessoas, porque o autoritarismo é que vai cercear a liberdade de expressão. É o autoritarismo que vai cercear o direito da pessoa se organizar, da pessoa ter vida comunitária, ter vida em igreja, ter vida nos clubes, terem vida com liberdade plena. Então, o autoritarismo é o antídoto da liberdade. Nós temos que combater o autoritarismo. E para a gente combater o autoritarismo, a política é o instrumento da construção coletiva."