Quarenta bebês nascem diariamente no Brasil filhos de mães negras que têm entre 10 e 14 anos. O número de partos entre meninas negras nessa faixa etária é quatro vezes maior que os de meninas brancas na mesma idade.

Os dados fazem parte de um levantamento da agência Gênero e Número. A pesquisa apontou que, de 2015 a 2023, 131.719 bebês nasceram de meninas negras e 31.082, de meninas brancas. A tragédia se espalha também entre as meninas indígenas, que no período deram à luz 7.948 bebês.

O número de crianças indígenas nessa situação de extrema vulnerabilidade é ainda mais assustador quando se coloca sob perspectiva o tamanho dessa população: para cada 10 mil partos entre mulheres indígenas no intervalo de tempo analisado, 309 foram de meninas de 10 a 14 anos — essa proporção foi de 65 entre negras e de 26 entre brancas.

Em julho, uma criança venezuelana de 12 anos, da etnia Warao, morreu em Betim (MG) em meio a um parto prematuro. A menina procurou atendimento médico quando estava grávida de oito meses. Seu estado de saúde piorou e ela foi submetida a um parto de emergência, mas morreu de choque refratário.

Em casos como estes, crianças de até 14 anos poderiam ter direito ao aborto legal, pois são casos de estupro de vulnerável e de risco de morte materna. A Súmula 593 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é clara: é considerado estupro o ato sexual ou libidinoso com menina até essa idade, sendo irrelevante se houve consentimento.

“Quando estamos falando desse alto número de partos de meninas de 10 a 14 anos, falamos de uma situação em que há o abortamento previsto em lei garantido. Fica a pergunta: será que elas estão sendo orientadas? Será que esse direito está sendo oferecido a elas?”, disse à coluna a psicóloga Daniela Pedroso, especialista em saúde materna infantil. A profissional atuou durante 26 anos no antigo hospital Pérola Byington, de São Paulo, referência nacional no atendimento de abortamento legal de crianças e mulheres vítimas de estupro.