O concurso para professor doutor do departamento de Direito Financeiro da USP, vencido pelo filho de um ministro do STJ, está sendo questionado na universidade por uma das concorrentes dele.

O motivo da controvérsia são as cartas que ministros do STJ, do STF e o chefe da PGR assinaram para recomendar Rafael Soares da Fonseca, filho do ministro do STJ Reynaldo Soares da Fonseca. Conforme mostrou a coluna, Rafael anexou essas cartas ao material apresentado à banca examinadora.

Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto estava entre os seis concorrentes da fase final do concurso e passou a questionar o resultado. Ela pede que Rafael Soares da Fonseca seja desclassificado por ter apresentado as cartas de recomendação e referência.

No recurso ao presidente da banca, Heleno Torres, e ao diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo, Élida argumentou que a apresentação das cartas violou o edital do concurso, quebrou os princípios de impessoalidade, isonomia e moralidade e a paridade de armas entre os candidatos.

A procuradora lembrou que um dos membros da banca, o professor Gilberto Bercovici, deu nota zero para Rafael em razão das cartas de recomendação.

“O candidato que se sagrou vencedor desequilibrou o concurso público, ao internalizar nele um forte componente de subjetividade alheio ao regime jurídico administrativo de tais seleções, as quais, alerte-se, não se equiparam às admissões de pessoal das universidades estrangeiras ou das instituições privadas de ensino superior sediadas no Brasil”, disse a candidata.

Para ela, em se mantendo o resultado do concurso, há o risco de que os certamos do tipo “venham, paulatina e primordialmente, a se tornar um torneio de cartas de referência”.

O que dizem as cartas

O documento de Rafael da Fonseca incluiu as missivas de Gilmar MendesDias ToffoliEdson Fachin e André Mendonça, do STF; Ribeiro Dantas e Gurgel de Faria, colegas do pai dele no STJ; e de Gonet. O ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira de Carvalho e professores do Direito da UnB também estão entre os que deram referências sobre o jurista. Ele dedicou 24 das 152 páginas do memorial só para esses documentos.

As cartas dos ministros do STF trataram, sobretudo, de passagens de Rafael como assessor de seus gabinetes e de relações acadêmicas — Gilmar, por exemplo, foi orientador do mestrado dele na UnB. Fachin apontou que o assessoramento de Rafael em seu gabinete ia “em átimos de segundo, do prêt-à-porter à haute couture”, ou seja, do trivial ao sofisticado. Toffoli disse que o trabalho do jurista foi “fundamental ao êxito” de sua gestão como presidente do STF. Mendonça também se derramou em elogios: “um dos melhores juristas que conheci”.

O documento assinado por Paulo Gonet lembrou que o atual procurador-geral da República recomendou a contratação de Rafael da Fonseca como professor do Instituto Brasiliense de Direito Público, em 2017. Gonet, que fundou o instituto ao lado de Gilmar, deixou a sociedade naquele ano. A instituição se chama atualmente Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).