Roda-viva fiscal: o custo de andar em círculos
O Brasil vive um momento decisivo em sua gestão fiscal, um cenário que coloca em pauta a necessidade de equilibrar as contas públicas. Em meio a toda a complexidade que a questão envolve, surge um debate crítico sobre as decisões econômicas do atual governo. Amplamente criticado por políticas que ampliam significativamente os gastos, o Executivo tem sido visto como omisso quanto à busca por contrapartidas que garantam a sustentabilidade financeira. Reajustes para o funcionalismo público e manutenção de privilégios vêm pressionando ainda mais um orçamento já debilitado, sem que reformas estruturais sejam implementadas para ajustar a trajetória da dívida.
O descontrole nos gastos públicos não é apenas uma questão política; ele impacta diretamente a credibilidade econômica do Brasil, elevando a inflação, reduzindo a confiança do mercado e comprometendo a capacidade de atrair investimentos. Para agravar a situação, o afrouxamento de regras fiscais — como a flexibilização do teto de gastos e a criação de mecanismos para ampliar o endividamento — reforça a percepção de que o governo prioriza soluções de curto prazo, ignorando os riscos que isso impõe ao futuro. Em um cenário de dívidas crescentes, políticas públicas essenciais, como saúde e educação, ficam vulneráveis, e o crescimento sustentável da economia torna-se mais difícil de alcançar.
Diante desse quadro, a contenção de despesas aparece como uma solução inevitável. Contudo, é essencial que essa medida seja conduzida com planejamento e cuidado. Cortes indiscriminados podem impactar negativamente programas que atendem às populações mais vulneráveis, agravando desigualdades históricas. Por isso, o debate sobre gastos ineficientes deve ser enfrentado com coragem, direcionando recursos para setores prioritários e avaliando rigorosamente o impacto de cada despesa. Uma gestão mais criteriosa poderia não apenas restaurar a confiança no Brasil, mas também abrir espaço para investimentos em áreas estratégicas que realmente gerem retornos sociais e econômicos.
Outro elemento central nesse cenário é o papel dos chamados gastos tributários. Esses benefícios fiscais, como isenções, deduções e regimes especiais, são frequentemente apresentados como mecanismos para estimular setores produtivos e atrair investimentos. No entanto, o custo dessas medidas tem sido alarmante. Relatórios recentes apontam que as renúncias fiscais superam centenas de bilhões de reais, favorecendo setores que nem sempre oferecem retorno suficiente à sociedade. Embora tenham sua justificativa teórica, muitos desses benefícios são mantidos sem que haja uma avaliação concreta de seus resultados. O que era para ser uma política de incentivo acaba se tornando uma despesa invisível, mas extremamente onerosa para o orçamento público.
A ausência de transparência e de critérios claros na concessão desses incentivos é preocupante. Muitos deles perpetuam ineficiências e beneficiam grupos já privilegiados, enquanto as finanças públicas sofrem com a falta de recursos para áreas essenciais. A revisão desses benefícios deveria ser uma prioridade, com foco em eliminar privilégios desnecessários e redirecionar recursos para iniciativas que promovam impactos reais na economia e na sociedade. É imprescindível que o governo realize estudos periódicos para avaliar o custo-benefício de cada renúncia fiscal, promovendo um debate mais qualificado sobre quais incentivos devem ser mantidos e quais precisam ser reformulados ou extintos.
A situação fiscal do Brasil é agravada ainda mais pela incoerência entre os recordes de arrecadação e a ausência de medidas que aliviem a carga tributária da população e das empresas. O país já possui uma das cargas tributárias mais altas dentre aqueles considerados emergentes, e essa pressão fiscal afeta diretamente a competitividade do setor produtivo, o consumo das famílias e a geração de empregos. Apesar das receitas crescentes, os contribuintes não percebem melhorias significativas nos serviços públicos, o que alimenta um sentimento de insatisfação e descrença no sistema. Essa disparidade entre arrecadação e retorno evidencia a urgência de uma reforma tributária que torne o sistema mais justo, eficiente e menos oneroso para quem sustenta o peso da tributação.
A falta de compromisso com uma gestão mais responsável também é evidente no Congresso Nacional, que tem contribuído para o agravamento do desequilíbrio fiscal. A derrubada de vetos presidenciais e a aprovação de benefícios fiscais sem apontar fontes de compensação financeira são exemplos claros de uma postura que prioriza interesses políticos em detrimento da responsabilidade fiscal. Essa prática não apenas compromete recursos que poderiam ser destinados a áreas essenciais, mas também gera desconfiança nos mercados internacionais, afastando investimentos e aumentando as pressões econômicas internas, como a inflação.
Diante desses desafios, o Brasil precisa rever com urgência sua abordagem fiscal. Ajustar as contas públicas não pode ser visto como um sacrifício indesejado, mas sim como um passo necessário para garantir a sustentabilidade econômica e social do país. Isso exige um esforço conjunto entre governo e Congresso para implementar reformas estruturais, revisar incentivos fiscais e priorizar uma gestão eficiente dos recursos disponíveis.
A responsabilidade fiscal deve ser encarada como um pilar da justiça social, e não como um obstáculo a ela. Quando as contas estão equilibradas, o país tem maior capacidade de investir em políticas públicas que promovam inclusão, crescimento econômico e qualidade de vida para todos. É por meio dessa combinação de equilíbrio e eficiência que o Brasil poderá construir um futuro mais próspero, deixando para trás o ciclo de decisões de curto prazo que têm comprometido seu potencial.
Somente com uma agenda clara de reformas e uma gestão comprometida com resultados será possível superar as crises recorrentes e colocar o Brasil em uma trajetória de desenvolvimento sustentável. O caminho é árduo, mas inadiável. A escolha entre manter o status quo ou enfrentar os desafios fiscais de forma responsável será determinante para o futuro do país e de sua população.
Maria Carolina Gontijo é advogada especialista em Direito Tributário. Consultora, professora, palestrante e administradora do perfil “Duquesa de Tax” nas redes sociais
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