Beneficiado por um histórico de decisões de Kassio Nunes Marques no STF, o contraventor Rogério Andrade, chefão do jogo do bicho do Rio de Janeiro, acionou novamente o ministro, desta vez para deixar a cadeia. Andrade está preso desde outubro de 2024. No mês seguinte, foi mandado para a Penitenciária Federal de Campo Grande, de segurança máxima (foto abaixo).
Os advogados do bicheiro apresentaram ao STF, com direcionamento específico a Kassio, um pedido para que ele seja solto. Andrade foi preso por ordem da Justiça do Rio de Janeiro, que ainda o colocou no banco dos réus como mandante do assassinato do também bicheiro Fernando Iggnácio, em novembro de 2020.
O assassinato de Iggnácio a tiros de fuzil, em um heliponto da Zona Oeste carioca, foi o ato final de uma guerra sangrenta entre ele e Andrade. Os dois disputaram por mais de uma década o espólio do jogo ilegal deixado por Castor de Andrade — um dos grandes capos da contravenção carioca, tio de Rogério e sogro de Fernando, morto em abril de 1997.
A defesa de Rogério Andrade alega a Kassio que há no caso duas afrontas ao STF: uma na denúncia apresentada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra o bicheiro pela morte de Iggnácio; e outra, na decisão judicial que aceitou essa acusação, abriu uma ação penal contra ele e ordenou sua prisão.
A argumentação é que o MP e a Justiça do Rio desrespeitaram a decisão do STF que encerrou, em fevereiro de 2022, um processo que atribuía o mesmo crime a Andrade. Na ocasião, os ministros entenderam que a denúncia não havia detalhado como o bicheiro teria participado dos planos para matar Iggnácio. Ao trancar a ação penal, no entanto, o Supremo pontuou que, se surgissem novas provas, o caso poderia ser retomado. Foi essa brecha que o MP usou para denunciar Andrade e levá-lo à prisão preventivamente.
Segundo o MP, mensagens criptografadas trocadas no aplicativo Wickr indicam que Rogério Andrade foi o mandante do assassinato de Fernando Iggnácio. O material já era conhecido, mas a novidade em relação ao processo que o STF encerrou em 2022 seriam os indícios sobre os autores das mensagens. No aplicativo, Andrade usaria o codinome “CapitainJacks” e teria tratado do crime com Márcio Araújo, seu braço direito, cujo codinome seria “Lobo009”. “O CABELUDO É O QUE INTERESSA”, foi a mensagem em que, conforme a promotoria, Andrade fez referência à morte de Iggnácio, o “Cabeludo”.
Para a defesa, no entanto, o MP “requentou” e usou um “jeitinho” para reabilitar provas que já haviam sido avaliadas pelo STF anteriormente, quando a Corte livrou Andrade da primeira ação penal pelo caso Fernando Iggnácio. As acusações do Ministério Público são classificadas como “mera conjectura infundada”, que tenta condená-lo pela morte de Iggnácio “a qualquer preço”.
O pedido a Kassio quer dele uma liminar, ou seja, decisão provisória, para cassar a decisão da Justiça do Rio de Janeiro que aceitou a denúncia do MP e mandou prendê-lo, além de encerrar o processo. Caso essa solicitação não seja atendida, os advogados pleiteiam que a prisão seja revogada e a ação penal, suspensa liminarmente.
Histórico de decisões favoráveis
Após ser nomeado ao STF por Jair Bolsonaro, em novembro de 2020, Kassio Nunes Marques já assinou quatro decisões e um voto que beneficiaram diretamente Rogério Andrade e um filho dele. Na mais recente delas, tomada em segredo de Justiça e revelada pela coluna em abril de 2024, o ministro livrou Andrade do uso de tornozeleira eletrônica.
Antes disso, em agosto de 2021, quando o bicheiro estava foragido da Justiça por supostamente ter ordenado a morte de Fernando Iggnácio, foi Kassio quem revogou o mandado de prisão contra ele.
Em dezembro de 2021, em julgamento na Segunda Turma do STF, o ministro, como relator, também votou por trancar a ação penal aberta contra o bicheiro pelo assassinato de Iggnácio. A posição dele foi seguida pelos ministros André Mendonça, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Em maio de 2022, Rogério Andrade foi alvo da Operação Calígula, que mirou uma organização criminosa que opera jogos de azar no Rio de Janeiro e, segundo as investigações, é comandada por ele e seu filho Gustavo Andrade.
A ordem de prisão contra Andrade foi derrubada em agosto daquele ano, novamente por Kassio Nunes Marques. Em junho de 2023, o ministro também revogou a prisão de Gustavo.