Nos dois primeiros anos do atual mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, lidou com as pressões do então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nas negociações sobre as pautas políticas. Quando Hugo Motta (Republicanos – PB) ascendeu ao cargo, era comum ouvir de ministros palacianos que qualquer nome seria melhor do que Lira do outro lado da Praça dos Três Poderes. A sensação de que a relação entre o Executivo e o Legislativo aumentou com as viagens que Motta fez ao exterior na companhia de Lula.
Nas últimas semanas, porém, Motta demonstrou que também sabe usar a força do cargo para fazer valer os interesses do Congresso na relação com o Planalto. O deputado mandou recados, telefonou para ministros, chamou líderes para conversar, fez acenos para a oposição e para o Centrão e se mostrou independente do governo.
O governo só entendeu que o clima estava realmente ruim depois que uma reunião de líderes da Câmara decidiu nesta quinta-feira, 12, levar para decisão em plenário na próxima semana um requerimento de urgência do PDL (Projeto de Decreto Legislativo) que derruba as novas mudanças no IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) enviadas ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Fazenda).
Se a urgência for confirmada pelo plenário, Motta poderá levar o PDL para votação quando quiser, sem ter que passar por comissões de mérito. Nessas circunstâncias, o PDL da oposição serve como um trunfo do presidente da Câmara contra o governo. Caso o PDL seja aprovado pelo Congresso, será uma das maiores derrotas políticas do terceiro mandato de Lula.
Esse é um quadro bem diferente daquele que Haddad e os dois presidentes do Legislativo tentaram pintar no domingo, 8, depois de uma reunião da residência oficial da presidência da Câmara. Haddad, Motta e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil – AP), em entrevista coletiva, procuraram passar a impressão de que existia um clima de harmonia e união na busca por uma solução estruturante para a questão fiscal no país.
Emendas parlamentares
No meio da discussão sobre impostos, voltou a ganhar destaque um tema que marca a relação entre o Executivo e o Legislativo: o toma lá, da cá em torno das emendas parlamentares e das pautas de interesse do governo. Esse foi um dos assuntos da conversa telefônica entre Motta e a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) na terça-feira. O presidente da Câmara cobrou a liberação de recursos retidos pela equipe econômica.
De fato, existe atraso nesses pagamentos. O valor total previsto para as emendas impositivas em 2025 é de R$ 25 bilhões. Foram empenhados R$ 56,8 milhões e somente R$ 824 mil foram efetivamente pagos. No total, no ano, os congressistas têm R$ 50,4 bilhões.
Pressionado, o Planalto tenta demonstrar boa vontade com o Congresso. Em conversas com jornalistas na quarta-feira, 11, Gleisi disse que o governo já iniciou o empenho das emendas parlamentares e que os pagamentos começarão a ser feitos a partir do próximo fim de semana. “Devemos lembrar que o orçamento foi aprovado em abril deste ano e não em dezembro. E entre aprovação, sanção e início de execução das emendas, nós temos um processo a cumprir”, afirmou a ministra para justificar o atraso.
Na Câmara, o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), dividiu com o Legislativo a responsabilidade pelas contas públicas e pelo cumprimento das regras do arcabouço fiscal. “Se não tiver essas soluções que o ministro Haddad está apresentando, sabe o que vai acontecer no dia 21? Novos cortes e novos contingenciamento”, afirmou.
“E aí, o contingenciamento será linear, atinge todas as despesas discricionárias, inclusive as emendas parlamentares. Portanto, o caminho para buscar a melhor solução é o caminho do diálogo, buscar o entendimento, é isso que nós vamos fazer”, acrescentou o líder, em tom de ameaça.
Outro fator contribuiu para a piora da relação entre o Congresso e o Planalto: uma medida tomada pelo ministro Flávio Dino, do STF, conturbou um pouco mais o ambiente político. Um despacho de Dino da terça-feira, 10, deu dez dias de prazo para o Congresso e o governo explicarem as chamadas “emendas paralelas” para a Saúde e as suspeitas de existência de um “novo orçamento secreto”. Para Guimarães, no entanto, embora essa decisão atrapalhe as conversas, não é o principal motivo do descompasso entre os anseios do Planalto e do Congresso. A relação está deteriorada pelas próprias dificuldades políticas para o entendimento do Executivo com o Legislativo.