A prisão de Jair Bolsonaro expôs um impasse que vinha se acumulando silenciosamente no campo da direita: o desgaste de um movimento que sempre orbitou em torno de um líder personalista, mas nunca se estruturou em bases partidárias sólidas. Para cientistas políticos ouvidos pela reportagem, o momento evidencia uma crise de organização e identidade — e abre dúvidas sobre como a direita chegará competitiva à disputa presidencial do ano que vem.

Bolsonaro foi eleito presidente em 2018 pelo pequeno PSL, partido que três anos depois se fundiu com o DEM para formar o União Brasil. Também no campo da direita, Fernando Collor ganhou a disputa pelo Planalto em 1989 filiado ao PRN, legenda de pouca expressão, que mudou de nome para PTC em 2000.

Otávio Catelano, doutorando em ciência política pela Unicamp, avalia que a comparação com a esquerda ajuda a medir o tamanho do problema. “A esquerda sempre teve um diferencial que é a força partidária organizadora do campo, que é o PT. É um partido que investiu numa conexão orgânica com movimentos sociais desde a origem”, diz. Essa base sólida permitiu ao partido “organizar o caos” em momentos de crise. “O candidato mais viável da esquerda sempre foi o candidato do PT”, afirma.

No campo da direita, esse papel nunca coube a um partido, nem mesmo ao PL, que apenas “alugou” sua estrutura para Bolsonaro. Catelano lembra que, historicamente, a direita brasileira é fragmentada e marcada pela proliferação de pequenas legendas. A ascensão do bolsonarismo substituiu esse mosaico por um polo unificador, mas baseado exclusivamente no carisma do ex-presidente. “Hoje temos o primeiro cenário desde 2018 de bolsonarismo sem Bolsonaro. O eleitor não sabe quem é o líder, quem é o candidato. E isso não é organizado por nenhuma força partidária”, afirma.

A eleição municipal de São Paulo, segundo ele, já deu pistas do que essa ausência de norte pode produzir. “O Bolsonaro tinha um candidato oficial, mas o Pablo Marçal se lançou falando e agindo muito mais como os bolsonaristas querem. Aquela tripartição mostra como pode ser o bolsonarismo sem Bolsonaro nos próximos anos”, analisa Catelano.

Vítor Sandes, cientista político e professor da UFPI (Universidade Federal do Piauí), também vê a direita diante de um divisor de águas. Para ele, a prisão de Bolsonaro não apenas abriu um vácuo de liderança, mas obrigará o campo conservador a responder a uma pergunta que vinha sendo adiada: quem ficará com a herança política do ex-presidente. “É um momento dicotômico. A direita ainda tem Bolsonaro como principal nome, mas ele está preso. Ao mesmo tempo, como fenômeno, é difícil ocorrer uma dissociação completa. Mesmo preso, Bolsonaro tende a apoiar alguém”, afirma.

Desgaste do governo
Sandes avalia que, enquanto essa definição não acontece, temas de apelo tradicional do campo conservador devem ganhar espaço, especialmente a segurança pública. Ele destaca que o governo Lula ainda enfrenta dificuldades para comandar essa agenda e que isso abre margem para candidatos da direita explorarem o assunto como ponto de desgaste do governo. “É uma pauta que historicamente mobiliza o eleitorado mais conservador e que ainda rende dividendos eleitorais para esse campo”, diz.

Apesar da dispersão atual, os dois especialistas veem movimentos claros no horizonte. Para Catelano, o fator decisivo é a escolha de um nome ainda no primeiro semestre. “A melhor reorganização é definir um candidato único. Abril é praticamente na urna”, alerta. Já Sandes aposta que o lado mais pragmático da direita vai pesar na reta final: “Mesmo que vários grupos surjam, o eleitorado pode entender que é momento de união para tentar derrotar o governo”.

Com Bolsonaro fora do jogo, a direita chega à eleição de 2026 diante de um cenário ainda indefinido. O nome que agrega mais apoios é o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas a confirmação de sua candidatura ainda depende de negociações com a família Bolsonaro e com os outros segmentos da direita. Outros políticos interessados em disputar o Planalto, como os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil-AP), de Goiás, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, também tentam amarrar alianças para concorrer em 2026.

A aposta dos especialistas é que o campo conservador terá de testar novas lideranças e reorganizar prioridades, especialmente em agendas como segurança pública, enquanto busca uma alternativa capaz de manter o eleitorado unido e competitivo.