Nem toda tela é igual, a tecnologia não nos faz mais tristes nem seu uso, por si só, prejudica o nosso bem-estar. É preciso saber usar – e, claro, tirar o melhor proveito do mundo de conhecimento que se descortina diante de nossos olhos. Para crianças e adolescentes, não é diferente.

O desafio de entender o nexo causal entre as tecnologias da informação e os mecanismos voltados especificamente à proteção desse público passa tanto pelas regras de acesso, na maior parte das vezes definidas pelas famílias, quanto pela construção de um ambiente digital mais seguro, atribuição que é também do Estado e das próprias plataformas.

Diante disso, até que ponto dificultar ou negar o acesso às telas contribuirá para a formação de um profissional para o futuro? E o que fazer para impedir a proliferação de conteúdos nocivos?

Essas e outras questões estiveram no centro do seminário “Tecnologia, juventude e uso saudável das telas”, realizado nesta segunda-feira, 26, pelo PlatôBR, em parceria com o Google e a consultoria Alandar e apoio técnico da Safernet . Os desafios impostos por um cenário complexo como o atual foram debatidos por especialistas e representantes do governo e da sociedade civil.

É preciso conhecer para agir, defende especialista
O seminário teve a participação de Sandra Cortesi, uma das principais pesquisadoras do tema no planeta, diretora do projeto “Youth and Media” do Centro Berkman Klein para Internet e Sociedade, da Universidade Harvard. Ao tratar da influência do mundo digital na saúde mental e no estado de bem-estar de crianças e adolescentes, Cortesi enfatizou a necessidade de se fazer diagnósticos mais precisos para propor soluções adequadas.

Isso é necessário, defendeu ela, para que não se corra o risco de, em nome da segurança, abrir mão de tecnologias que formarão novos profissionais capazes de se desenvolverem no ambiente digital, essencial para seu futuro. “Simplesmente negar ou restringir o acesso de crianças e jovens não é uma solução inteligente. Ensinar essas competências exige acesso, recursos e uma boa competência teórica. Como os jovens vão praticar essas competências se removermos o acesso?”, questionou a pesquisadora.

Google: proteção é inegociável
Para Marcelo Lacerda, diretor de Governo e Políticas Públicas no Google Brasil, a plataforma tem priorizado um ambiente seguro,  utilizando recursos tecnológicos para filtrar conteúdos que possam ser nocivos para crianças e adolescentes. Ele indicou que, para a companhia, não há tensão entre o modelo de negócio e a necessidade de proteção do público infanto-juvenil.

“Para o Google, a questão da proteção das crianças é inegociável e essa é uma responsabilidade que a gente assume com muita seriedade”, destacou Lacerda. A plataforma já adota filtros em seu produtos destinados a menores de 18 anos. Durante o evento, o Google anunciou uma parceria com a Safernet para ajudar pais e responsáveis a adotar filtros que impeçam a oferta de conteúdo impróprio para crianças e adolescentes.

Thiago Tavares, presidente da Safernet, enfatizou a necessidade de se buscar recursos tecnológicos para impedir a oferta de conteúdos violentos, mas ressaltou que discursos de ódio, por exemplo, exigem uma contextualização ainda não totalmente identificável pelos filtros – daí, apontou ele, a necessidade da mediação humana.

“Entender o conceitos só com as máquinas é um problema”, observou. Ele apontou a iniciativa do Ministério da Justiça de tentar centralizar a análise das denúncias recebidas, mas observou que é essencial que os canais de recebimento de denúncias possam trocar informações. “Existem vários canais do poder público que não conversam entre si”, queixou-se. 

Desafio para o governo
Para João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secom (Secretaria de Comunicação) da Presidência da República, o governo tem tentado fazer a sua parte, enfrentando um cenário que se mostra bastante desafiador, com cerca 2.700 denúncias diárias de violência nos meios digitais levadas à Polícia Federal.

Brant afirmou que o governo não ignora a dimensão positiva do uso da internet. “A todo momento precisamos entender como a gente enfrenta as questões negativas e aproveita as questões positivas”, disse. “A gente bebeu e pode beber da fonte como a Safernet, o Palavra Aberta e outros que têm um trabalho consistente nesta área para que se promova educação midiática a partir de 2026 nas escolas”, emendou. Segundo o secretário, o problema é que hoje o jogo ainda está desequilibrado. “Está faltando esforço e atuação consistente por parte do Estado, da sociedade e da família para lidar com esse tema”, destacou.

Responsabilidade e educação midiática
A presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, destacou que a questão da educação midiática tem um papel fundamental na construção de um ambiente mais saudável, principalmente considerando o novo contexto da comunicação, diferente do que era, por exemplo, nos tempos em que a exposição se dava apenas por meio da tela da televisão. “Estamos agora em um ambiente no qual o usuário deixa de ser um receptor passivo de conteúdo para se tornar disseminadores ativos de informação em tempo real, 24 horas por dia, a partir da palma da mão”, ressaltou.

“A educação midiática 3.0 trabalha não só a leitura crítica da informação que vai auxiliar o cidadão a interpretar o conteúdo e a saber diferenciar o que é um fato, uma opinião, um artigo, uma peça publicitária, uma desinformação, mas também auxiliar o cidadão no desenvolvimento de habilidades necessárias para que ele possa participar ativamente do ambiente informacional com ética, com responsabilidade”, observou.

Lei a caminho
Também participou do evento o deputado Jadyel Alencar (Republicanos-PI), relator do projeto de lei 2628, conhecido como ECA Digital, numa referência a uma versão moderna do Estatuto da Criança e do Adolescente voltada especificamente para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. Alencar diz que, para a elaboração do seu parecer, vem tentando ouvir todos os atores da sociedade para encontrar um ponto de equilíbrio. De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o projeto está, neste momento, na Comissão de Comunicação da Câmara.

“É uma questão que precisa ser encarada com coragem e também com equilíbrio”, disse o deputado. “Estou aqui para falar do presente e do futuro que precisamos construir juntos”, acrescentou. “Tenho me perguntado o tempo todo sobre como podemos cuidar melhor das nossas crianças e adolescentes nesse mundo hiperconectado, sem fechar as portas para o que essa tecnologia tem de bom”, pontuou o parlamentar.