Crítico da projeto que ampliou de 513 para 531 o número de deputados federais, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) vê na medida uma desconexão com as prioridades da população brasileira. Em entrevista ao PlatôBR, ele afirma que o texto aprovado pelo Congresso é uma “afronta aos cidadãos” em um momento de crise fiscal, desigualdade social e desconfiança generalizada em relação à classe política. 

O presidente Lula tem até segunda-feira, 30, para sancionar, ou vetar ou vetar parcialmente a lei aprovada pelo Congresso. A decisão será tomada em meio a uma crise entre o Planalto e o Legislativo por causa da derrubada do decreto presidencial que aumentava IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

Para Contarato, não se trata apenas de um debate sobre representação proporcional entre os estados, mas de um movimento que aprofunda o distanciamento entre o Legislativo e a sociedade. Contarato defende alternativas mais responsáveis, como ampliar a participação popular e garantir que os atuais parlamentares cumpram melhor seu papel. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Senador, o senhor já se posicionou contra o aumento no número de deputados. O que mais lhe preocupa nessa proposta aprovada pelo Congresso?
O que me preocupa profundamente é a desconexão dessa proposta com a realidade do povo brasileiro. Aumentar de 513 para 531 o número de deputados é um escárnio e uma afronta aos cidadãos. Vivemos em um país com milhões de pessoas na informalidade, sobrevivendo com R$ 1.518 por mês, e que trabalham 44 horas semanais. Não precisamos de mais políticos em Brasília. Precisamos de políticas públicas que combatam a desigualdade social e tragam dignidade para a população.

A justificativa oficial é que o projeto corrige distorções na representação proporcional dos estados. O senhor concorda com esse argumento? Por quê?
Esse argumento não é razoável e não se sustenta diante das prioridades urgentes do país. É claro que é necessário debater o equilíbrio federativo, mas isso deve ser feito com responsabilidade fiscal e social. Ou seja, o correto seria ampliar a quantidade de parlamentares referente aos estados onde houve aumento de população e reduzir onde houve queda de habitantes, mantendo o total de 513. Na prática, o que ocorreu é que nenhum estado perdeu parlamentares, enquanto outros ganharam. Isso representa um inchaço da máquina pública que apenas acirra a desconfiança da população com o Congresso.

Mesmo sem impacto imediato, o projeto pode gerar aumento de custos no futuro. O senhor vê risco de que a medida vá na contramão do que o país precisa do ponto de vista fiscal?
Sem dúvida. A proposta pode até não ter impacto orçamentário imediato, mas abre caminho para aumento de gastos no futuro — e isso num cenário de fragilidade fiscal. A sociedade está cansada de ver privilégios sendo mantidos e ampliados, enquanto falta dinheiro para saúde, educação e segurança. Essa medida vai na contramão do que o país precisa: responsabilidade com os recursos públicos e foco nas urgências sociais.

O senhor defende há tempos mais diálogo com a sociedade nas decisões do Congresso. Considera que essa proposta foi debatida de forma suficiente com a população?
Não foi. Essa proposta passou sem diálogo real com a população. É nosso dever lutarmos para derrubar os muros do Parlamento para efetivamente ouvir o que a sociedade pede. Não foi o que ocorreu nesse caso.

Com base na sua experiência legislativa, o que seria uma alternativa mais responsável para melhorar a representação na Câmara?
O caminho não é aumentar o número de parlamentares, mas sim aprimorar os mecanismos de participação popular, como os conselhos de políticas públicas, e garantir que a atuação dos parlamentares represente os interesses da sociedade.

A decisão agora está nas mãos do presidente Lula. O senhor acredita que ele deveria vetar a proposta? Que mensagem isso enviaria ao país?
Essa é uma atribuição que cabe somente ao presidente da República. Confio na sensibilidade e liderança do presidente Lula.

Por fim, o senhor acredita que esse tipo de pauta compromete a imagem do Congresso diante da sociedade? O que precisa mudar na relação do Legislativo com os eleitores?
Projetos como esse alimentam a descrença da população no Parlamento e afastam o cidadão da política. A mudança começa com mais coerência, mais conexão com a realidade do povo e mais compromisso com o interesse público. O Congresso precisa reconquistar a confiança das pessoas mostrando que está legislando a serviço da população, e não de si mesmo.