O deputado Kim Kataguiri (União Brasil-SP), um dos principais nomes da nova direita liberal no Congresso, defende uma reforma administrativa “mais radical” do que a proposta pelo relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), mas observa avanços no texto em construção na Câmara.
Kataguiri avalia, no entanto, que a base governista impedirá a aprovação do projeto. “Não acredito que nenhuma reforma administrativa seja aprovada num governo do PT. A própria palavra ‘reforma’ já faz o eleitor petista dar salto de metro”, afirma.
Para deputado, a proposta de anistia perdeu força porque o próprio bolsonarismo reconheceu que não tem votos suficientes para incluir o ex-presidente no texto. “Ficou claro que o grande interesse é anistiar o próprio Bolsonaro. Mesmo dentro da confusão entre defender o interesse das pessoas e o dele, o Eduardo quer fingir que ajuda o pai, mas, na verdade, quer ser o candidato”, afirma.
O parlamentar faz críticas duras à chamada “PEC da Blindagem” e à anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, propostas que, segundo ele, colocam em risco a democracia e tentam proteger criminosos e livrar Jair Bolsonaro. Em entrevista ao PlatôBR, o parlamentar afirma que “não se corrige um abuso do Supremo com outro abuso” e diz que a medida transformaria a Câmara “num covil de proteção ao crime organizado”.
O deputado também comenta temas como a reforma tributária e a nova tabela do Imposto de Renda, e confirma planos de disputar o Executivo após a formalização do partido Missão, em fase final de registro no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). “Tenho vontade de ser prefeito, governador, presidente da República e até secretário-geral da ONU. Vamos ver até onde consigo chegar”, diz. Leia os principais trechos da entrevista:
O senhor se posicionou contra a chamada “PEC da Blindagem” e chegou a ter um embate público com o deputado Nikolas Ferreira. O que o levou a se opor à proposta? Por que ela não poderia ser aprovada?
Porque qualquer deputado preso, seja por roubo, homicídio ou tráfico, poderia ser solto com o voto secreto dos próprios colegas.
Esse tipo de medida representa um risco para a democracia?
Sim, é um risco para a democracia, para a sociedade, para a moralidade pública e para o próprio Parlamento. Isso transformaria a Câmara num covil de proteção ao crime organizado, porque um integrante do PCC ou do Comando Vermelho, por exemplo, poderia disputar uma eleição para se blindar de ações penais e se aproveitar desse mecanismo. Você não corrige um abuso do Supremo Tribunal Federal com outro abuso. Aliás, uma das minhas frases preferidas do Barão de Montesquieu, em O Espírito das Leis, diz que ele via os antigos abusos e via sua correção, mas também via os abusos da própria correção. Acho que essa frase se encaixa perfeitamente na “PEC da Blindagem”. Existem inúmeras outras formas de conter abusos do Supremo sem proteger criminosos.
O senhor também se manifestou sobre a proposta de anistia aos envolvidos no 8 de Janeiro. Já disse ser favorável à dosimetria das penas, mas contrário a incluir os líderes do movimento. Por que essa distinção?
Primeiro, porque Bolsonaro, Braga Netto e o núcleo duro foram covardes ao tentar manter o poder a qualquer custo, manipulando pessoas vulneráveis para irem à frente dos quartéis e cometerem o 8 de Janeiro, enquanto o próprio Bolsonaro estava na Disney durante a transição. Colocaram essas pessoas na linha de frente de forma covarde, vendendo falsas esperanças. Acho que há uma responsabilidade moral de Bolsonaro e do seu núcleo em relação a essas pessoas. Além disso, a tentativa de golpe foi tosca, rocambolesca, a ponto de deixarem impressa a minuta de golpe na impressora do Palácio do Planalto e a submeterem aos comandantes das três Forças sem saber qual seria a resposta. Só não tivemos um golpe porque o comandante do Exército, que é a força mais poderosa, ameaçou prender Bolsonaro. Se não fosse isso, ele poderia ter levado adiante. Portanto, não defendo nenhum tipo de anistia para ele, embora reconheça que o processo no Supremo, formalmente, violou garantias, como o prazo para resposta à acusação e o acesso aos documentos do inquérito. Já em relação aos manifestantes, acho que eles devem responder pelos crimes que cometeram, dano ao patrimônio, agressão a policial, e não por “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” ou “tentativa de golpe”. O Supremo pesou a mão ao juntar as duas tipificações, o que é impossível de ocorrer simultaneamente, já que, no Direito Penal, o princípio da consunção determina que o crime menor é absorvido pelo maior. Isso não foi aplicado. Quem cometeu crime deve responder por ele, e ponto.
Essa pauta está hoje em impasse no Congresso e parece ter perdido força. Como o senhor avalia essa situação e que desfecho considera possível?
Ficou muito claro, pelas mensagens vazadas entre Malafaia, Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro, que o grande interesse é anistiar o próprio Bolsonaro. O discurso de que seria “pelas pessoas presas injustamente”, pela “Débora do batom” e outros, cai por terra quando a família Bolsonaro admite que a anistia serviria para livrar o ex-presidente e tentar torná-lo elegível. Mesmo dentro dessa confusão, entre defender o interesse das pessoas e o de Bolsonaro, há outra: o Eduardo quer fingir que ajuda o pai, mas, na verdade, quer ser ele o candidato.
E como o Congresso pode sair desse impasse?
Os bolsonaristas pararam de fazer força pela anistia porque perceberam que, com Paulinho da Força como relator, Bolsonaro está fora em qualquer cenário. O PT é contra, a esquerda é contra, e o centrão não move um dedo por nada que não envolva cargos e emendas. Não vejo essa pauta andando no curto prazo. Se fosse pautado um texto que tratasse apenas da dosimetria das penas dos envolvidos no 8 de Janeiro, sem incluir Bolsonaro, acho que teria maioria. Mas não sei se o presidente Hugo Motta tem disposição para levar isso adiante.
Sobre a reforma administrativa, o texto está pronto. Quais pontos o senhor considera positivos e negativos? Como gostaria que fosse aprovada?
Eu tenho uma visão mais radical que a do deputado Pedro Paulo, embora ache o texto dele um avanço.
Acabaria com todos os supersalários e com férias de 60 dias para juízes e promotores. Sei que o Pedro Paulo concorda, mas, ao redigir o relatório, ele precisa considerar a vontade da maioria. Eu também reestruturaria as carreiras para evitar que servidores das carreiras de elite, especialmente as jurídicas, atinjam o teto salarial tão cedo. Hoje, um jovem que passa num concurso de alto nível com 25 anos chega ao topo da carreira aos 35, ganhando R$ 46 mil. A partir daí, passa a lutar por aumentos acima desse valor ou, pior, por supersalários ilegais pagos com dinheiro público. Temos mais de 8 mil juízes com média salarial de R$ 100 mil por mês, mais que o dobro do presidente da República. Também restringiria a estabilidade. Nos países desenvolvidos, estabilidade é para carreiras típicas de Estado, aquelas que envolvem fiscalização e controle, como CGU, Ministério Público e Polícia, e não para todo servidor. O gestor precisa ter liberdade para realocar servidores conforme as prioridades. Mas não acredito que nenhuma reforma administrativa seja aprovada num governo do PT. A própria palavra “reforma” já faz o eleitor petista dar salto de metro.
O senhor acredita que o texto do deputado Pedro Paulo tem chances de ser aprovado?
Não acredito. É um texto razoável, mas, sob um governo petista, nenhuma reforma administrativa avança.
O senhor tem criticado a nova tabela de isenção do Imposto de Renda, que agora está no Senado e pode sofrer mudanças. Como avalia essa medida, uma das principais bandeiras do governo Lula?
O senador Renan Calheiros disse que quer levar o texto direto à sanção, sem voltar à Câmara. Só há duas formas disso ocorrer: ou o Senado aprova exatamente como veio, ou altera ilegalmente o mérito, fingindo que é apenas mudança de redação, o que já fez antes. É importante entender que a isenção do IR não é favor algum. Como a tabela não foi corrigida pela inflação, tivemos, na prática, aumentos anuais de imposto. Se a correção automática tivesse sido aprovada, já haveria isenção até R$ 5 mil e reajuste das faixas superiores. E quem ganha R$ 7.500 ou R$ 10.500 não é “super rico” — são engenheiros, médicos, advogados. Além disso, o governo não precisaria de compensação: ela já existiria com o aumento do IOF ou com a MP 1303. Fizeram uma compensação de algo que já arrecadava.
Se o senhor pudesse desenhar uma reforma tributária, que medidas priorizaria para garantir justiça fiscal?
Primeiro, cortaria R$ 15 bilhões em supersalários, economia que cobriria boa parte da isenção. Segundo, reduziria privilégios tributários. Hoje temos R$ 800 bilhões em renúncias. Cerca de R$ 150 bilhões a R$ 200 bilhões vão para grandes empresários. O restante inclui o Simples e isenções para entidades filantrópicas, que suprem falhas do Estado. Mas o governo só sinaliza coragem para cortar 10 ou 15 bilhões desses R$ 200 bilhões e até agora não cortou nada. O discurso contra os “super ricos” não se confirmou: quem ampliou os privilégios da elite foi o próprio governo Lula. Eu ainda cortaria emendas parlamentares. No mundo ideal, elas nem existiriam. Não é papel de deputado executar orçamento ou inaugurar obra em reduto eleitoral. Só com um contingenciamento de 10%, economizaríamos R$ 4 bilhões por ano. Falta dinheiro? Não. Falta vontade política.
Pensando nas eleições de 2026, a direita parece dividida e sem um nome definido. Como o senhor avalia esse cenário?
Quem está confusa é a direita bolsonarista e o Centrão. Eu tenho total clareza de que meu candidato à Presidência é Renan Santos, com um programa que inclui declaração de guerra às facções criminosas com base no direito penal do inimigo, um ajuste fiscal drástico com a PEC do equilíbrio fiscal e um plano agressivo de desfavelização do país. Meu rumo está muito claro. Quem os bolsonaristas e o Centrão vão escolher como candidato, não sei. Mas nós vamos disputar contra eles.
O senhor convive diariamente com a direita bolsonarista no Congresso. Como enxerga esse racha interno?
O Tarcísio é o candidato dos sonhos do Centrão, porque eles acreditam que teriam espaço num governo dele. Mas ele já sairia da eleição devendo um boleto gigantesco à coligação, com o capital político esvaziado antes mesmo de começar. Além disso, o Tarcísio não tem coragem de se distanciar de Bolsonaro. Só se lançaria candidato se tivesse certeza de apoio total do ex-presidente, o que não vai acontecer. Eduardo Bolsonaro continuará atacando Tarcísio, porque quer ser o candidato. E Jair não vai dar sua palavra, porque ele próprio ainda acredita que pode reverter a inelegibilidade. O Ratinho poderia surgir como alternativa, mas não tem grande simpatia dos bolsonaristas. Então, não sei como ele se equilibraria nesse tabuleiro. Essa equação não é minha para resolver.
Como está a situação do partido Missão no TSE? E sobre sua carreira: após a desfiliação do União Brasil, o senhor deve tentar um novo mandato na Câmara ou o governo de São Paulo?
A parte mais difícil do processo de criação do partido já passou: a validação das assinaturas. Houve prazo para impugnação, e ninguém apresentou contestação, o que é ótimo, porque agora podemos processar quem fez acusações levianas e financiar o partido com as indenizações. A Procuradoria-Geral Eleitoral também deu parecer favorável. Então, deve ser um julgamento tranquilo, homologatório, até o fim do mês. Quanto à minha candidatura, vamos bater o martelo no congresso do partido, dia 29 de novembro, sobre se eu disputo a Câmara ou o governo estadual e também definir outras candidaturas pelo país.
E o senhor tem vontade de ser governador?
Tenho muita vontade de ir para o Executivo, sim. Quem está mais próximo dos problemas do dia a dia é o prefeito e muitos ex-prefeitos dizem sentir mais satisfação nessa função. Mas o governo de São Paulo também seria uma grande honra: é o Estado onde nasci, o mais produtivo do país, praticamente um país em si, com população praticamente quatro vezes maior que a de Portugal. Tenho vontade de ser prefeito, governador, presidente da República e até secretário-geral da ONU. Vamos ver até onde consigo chegar.
Para encerrar: o senhor apresentou uma PEC que autoriza a produção de armas nucleares no Brasil. Quais são os objetivos estratégicos da proposta e como responde às críticas internacionais sobre riscos e tratados de não proliferação?
A PEC denuncia todos os tratados internacionais sobre o tema. Ou seja, o Brasil deixaria de ser signatário de qualquer um deles, e todos os atos infralegais estariam revogados. Quem reagiria seriam as grandes potências, que não têm interesse em ver o Brasil soberano. Eu não quero depender da defesa dos Estados Unidos nem da China em caso de ameaça. O mundo vive um aumento de tensões: ainda há risco no Oriente Médio, guerra na Ucrânia, tensão em Taiwan. E a Ucrânia é o exemplo perfeito, pois se não tivesse aberto mão das armas nucleares, a Rússia jamais teria invadido. Infelizmente, no Ocidente temos menos preocupação com essas ameaças do que deveríamos. A China realiza exercícios militares cada vez mais agressivos, já invadiu espaço aéreo japonês. Precisamos estar preparados.
O senhor tem recebido apoio para essa PEC? Como está a articulação com seus colegas?
Surpreendentemente, tenho recebido muito apoio, inclusive da esquerda materialista. Muitos dizem: “Discordo de tudo do Kim, mas nisso concordo”. E também da direita nacionalista, que, embora discorde das minhas posições econômicas, apoia a proposta. Sinto mais respaldo do que esperava.