Até 1990 o comércio exterior no Brasil era administrado pela Cacex- Carteira de Comércio Exterior, uma diretoria do Banco do Brasil. Todas as empresas que dependiam de insumos ou bens de capital importados deviam apresentar um programa anual para análise e aprovação do órgão até o final de cada ano. Cada operação de importação era também submetida à Cacex para obter uma guia de anuência prévia para que a compra pudesse ser realizada.

O câmbio era fixado pelo Banco Central e as alíquotas do imposto de importação, as tarifas aduaneiras, eram definidas pelo CPA (Conselho Interministerial de Politica Aduaneira) caso a caso. A Cacex também administrava uma lista com cerca de dois mil produtos, conhecida como “Anexo C”, que relacionava os itens cuja emissão de guias de anuência prévia estavam suspensas “temporariamente” por se tratarem de produtos com similar nacional cuja importação era considerada “desnecessária”, causando também uma concorrência “indesejada”. O déficit externo em conta corrente, a virtual inexistência de investimento direto estrangeiro e a pressão da dívida externa justificavam o rígido controle do regime comercial brasileiro, considerado fundamental para o cumprimento das metas de geração de saldos comerciais positivos que estiveram presentes em todos os acordos do Brasil com o FMI desde a crise de 1981-83.

Durante toda a década de 1980, em que se realizavam as negociações diplomáticas que levaram à criação da OMC-Organização Mundial do Comércio, o regime brasileiro de controle administrativo das importações foi duramente combatido pelo governo norte-americano. A extinção do “Anexo C”, o fim dos programas de importações por empresa, da exigência de guias de anuência previa para importações, da própria Cacex e do CPA foi uma decisão unilateral do governo brasileiro. Estava muito evidente que sem abertura comercial seria impossível o enfrentamento da hiperinflação e a construção de um ambiente de preços livres e estáveis..

O combate à hiperinflação, prioridade única do Brasil até o Plano Real, em 1993, jogou por terra a superproteção da produção local, inclusive jogando luz sobre as ineficiências criadas pela substituição de importações a qualquer custo. O equilíbrio macroeconômico e a moeda estável passaram a ficar em primeiro lugar. A abertura comercial foi criticada como sendo contrária ao interesse nacional pelo PT, adversário da estabilização, acusada de ser um diabólico projeto neoliberal de interesse norte-americano. Trinta anos depois do Plano Real e quarenta anos depois do fim do regime militar temos democracia, estabilidade econômica interna e equilíbrio nas contas externas.

As agressões de Donald Trump às instituições da democracia brasileira e a imposição de tarifas especiais punitivas aos produtos brasileiros isolaram politicamente a família Bolsonaro e criaram um amplo campo de entendimento suprapartidário para além das ideologias. O Brasil sabe que o comércio internacional e a busca por competitividade e eficiência produtiva são o caminho da prosperidade que não se conquista sem concorrência, politicas públicas eficientes e mercados saudáveis.

A regulamentação dos mercados digitais e do setor de serviços estão nas novas agendas da integração do Brasil na economia mundial. Agora temos que negociar com firmeza e sabedoria os interesses econômicos do país, evidentemente sem aceitar subserviência política do Congresso Nacional e do Judiciário brasileiro ameaçados no grito e na marra pelo líder da extrema direita internacional.

Tenho esperança de que este episódio crítico e dramático ajude o Brasil a compreender melhor o que seja o interesse nacional longe do radicalismo populista do Bolsonarismo e do Lulopetismo e fortaleça a construção de um novo projeto eleitoral para as eleições de 2026. Que seja amplo e democrático, que defenda a soberania nacional e que seja comprometido com reformas institucionais capazes de resgatar, consolidar e ampliar a confiança da população na democracia política e na justiça do Brasil.

Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de produção e professor universitário. Foi prefeito de Vitória-ES e deputado federal pelo PSDB-ES. Integra a Academia Brasileira da Qualidade (ABQ)