Um dia depois da ação mais letal da polícia do Rio de Janeiro com 121 mortos em área controlada pelo Comando Vermelho, a equipe do gabinete do ministro do STF Flávio Dino teve de produzir e colocar no ar, às pressas, uma nota de “desmentido” sobre uma postagem que circulou nas redes sociais horas antes. A publicação atribuiu ao magistrado falsas declarações, com acusação à polícia fluminense de suposto “crime contra a humanidade” e com uma proposta de “desmilitarização” das forças policiais, sugerindo uma defesa de criminosos e atacando instituições do estado.
O episódio reforçou a lista de manifestações e postagens de redes sociais com críticas ao Supremo e seus ministros, que teriam como origem grupos de direita e aliados de Jair Bolsonaro, com objetivo de imputar ao Judiciário e às suas decisões a falsa ideia de que a corte tem colocado freios no combate ao crime organizado. Logo depois da megaoperação policial, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), chamou de “maldita” a ação do STF conhecida como “ADPF das Favelas”, que desde 2020 regulamenta operações no estado.
A ação das favelas foi aberta em 2019 e concluída – em parte – em abril deste ano. O objetivo da medida foi exatamente corrigir a “omissão” histórica do governo do Rio na garantia do direito fundamental de livre circulação aos moradores das favelas .
Versão do Supremo
Desde a crítica direta de Castro à ADPF, manifestações estratégicas deram o tom da posição institucional da corte e dos ministros. O relator da ação, Alexandre de Moraes, se reuniu no Rio com Castro e sua equipe de segurança para ouvir explicações e recebeu um documento sobre a operação policial. Fachin fez dois pronunciamentos nos dias seguintes à operação no Rio para explicar a decisão do Supremo de cobrar do estado as garantias dos direitos constitucionais dos moradores dos morros. Os ministros Gilmar Mendes e Flavio Dino também usaram as redes para responder às críticas.
Nos morros fluminenses, facções como o Comando Vermelho e as milícias dominam os territórios como “Estado paralelo”. A corte concluiu, no julgamento da ADPF, que houve omissão do estado e determinou que fosse executada a retirada do crime organizado dessas áreas, com uso “da força” policial, mas sem excessos e riscos. As mortes resultantes dessas incursões eram crescentes, até então, e as operações acabavam desrespeitando os direitos fundamentais dos moradores e também dos alvos da polícia.
Na ADPF o STF e seus ministros acompanham, por unanimidade – usando um termo corriqueiro no tribunal -, a decisão do governo de Castro de colocar a polícia em ação e montar a megaoperação do dia 28, com objetivo de expulsar o CV e retomar o controle pelo Estado. A maior parte das comunidades da capital é dominada – ou tem presença – por criminosos, de facções e de milícias paramilitares. Na operação recente foram 2,5 mil policiais para cumprir 100 mandados de prisão e 146 de buscas e apreensões.
Um dos 18 itens estipulados pelo STF na ADPF para que o combate ao domínio territorial acabe no Rio, sem excessos e dentro da lei, prevê que a força aplicada seja “proporcional” e não configure extermínio. As determinações, porém, ao contrário do que prega o discurso explorado pela direita, estipulam a ação de enfrentamento ao crime e não sua proteção ou manutenção, explicou o assessor de um ministro no Supremo.
Moraes ainda vai determinar como vai proceder diante de um possível descumprimento das normas do STF. O governo do Rio ainda prepara novas investidas nos morros dominados pelo crime para nos próximos dias, para cumprir o determinado pela ADPF. O relator e alguns ministros avaliam que houve “descompasso” no ritmo da ação executada pelas polícias no Alemão e o devido controle judicial esperado para ações do tipo. A expectativa é que a resposta sobre o caso seja dada em curto prazo e seja dura.
