Tancredo, Alcolumbre e o Ministério das Comunicações
Pouco mais de quarenta anos atrás, o presidente-eleito Tancredo Neves (MDB) escolhia seu ministério. Havia muita pressão e pedidos: poucos civis, de decência moral variada, foram ministros dos ditadores militares. Certo político, hoje de nome esquecido, atazanava Tancredo. Seu nome era cogitado para o ministério e o mineiro nada dizia. Um dia, ansioso, o político disse:
– Doutor Tancredo, os jornalistas estão ali fora esperando um anúncio...
– Diga que eu o convidei e você não aceitou.
Assim se fez.
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Há poucos dias, Pedro Lucas Fernandes, líder do União Brasil na Câmara dos Deputados, recusou o convite do presidente Lula (PT) para assumir o Ministério das Comunicações. Alguns analistas apontaram falta de relevância da pasta, mas a explicação é incompleta.
De 1985 a 2019, praticamente qualquer ministério atraía fila de interessados. Além da visibilidade, o ministro podia nomear dezenas de pessoas para cargos de confiança, quase sem critério. As normas recentes – como a Lei 13.844/2019 e o Decreto 9.727/2019 – que tinham a intenção de resolver isso, falando de “qualificação mínima” e “idoneidade” para nomeações de alto escalão, são letra morta.
Havia, ainda, outras vantagens em ser ministro. No fim dos anos 1980, o manda-chuva das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães (PFL), usava as concessões regionais de TV para, digamos, “gerenciar” a base de José Sarney (PMDB) na Constituinte. Com o tempo, parte dessas concessões perdeu graça – a televisão tem perdido força na era das redes sociais – e outras viraram feudos eternos. Caso clássico: a TV Gazeta de Alagoas, da família de Fernando Collor (ex-PRD), que fingiu que a prisão do ex-presidente nem existiu. E assim o Ministério das Comunicações perdeu atratividade política.
Mas uma política pública do chamado “Novo PAC” – comandado por Rui Costa (PT) e Miriam Belchior (PT), chamados de “burocratas” pelo magoado líder emedebista Isnaldo Bulhões, para quem não sobrou ministério – torna essa pasta um pouco mais atraente. Chama-se “Estratégia Nacional de Escolas Conectadas”. Até agora, mais de 70 mil escolas públicas da educação básica foram conectadas à internet. Para cumprir a promessa de Lula no fim de 2023, ainda faltam 68 mil.
Portanto, ser ministro das Comunicações implica, no mínimo, ter um diálogo aberto com a Casa Civil e acesso a um orçamento mais robusto do que se imagina. O porém é dividir foto e palanque com Camilo Santana (PT), ministro da Educação, que provavelmente vai colher grande parte dos elogios.
O ministro das Comunicações também lidera o grupo encarregado da liberação gradual do 5G, etapa anterior à homologação pela Anatel, processo de alto interesse econômico para o setor de telecomunicações.
Ou seja: o ministério não é de se jogar fora, mas sua principal iniciativa é compartilhada com o partido do presidente, o PT.
A indicação final coube ao presidente do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União Brasil), que comanda, ao lado de poucos outros, a definição sobre as emendas de comissão no Senado. Também ajuda a alocar, diz-se, o quinhão de verbas discricionárias de alguns ministérios que são um incentivo extra para parlamentares fazerem política com prefeitos, em troca de bom comportamento no plenário. Alcolumbre é um dos organizadores desse jogo. É natural que ele indique ministros.
A recusa do deputado federal Pedro Lucas Fernandes deve ser vista, assim, mais como uma disputa intrapartidária entre o líder de fato do partido no Senado e os mais influentes da bancada na Câmara dos Deputados. Já que ocupa a posição institucional, de longe, mais relevante, Alcolumbre levou a parada.
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Tancredo Neves não queria dar o ministério, não deu, e evitou a repercussão negativa. Lula queria dar, escolheu mal, e quem saiu da história como habilidoso foi outro.
Sérgio Praça é doutor em Ciência Política pela USP. Publicou, entre outros, os livros “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” e “Corrupção e Reforma Orçamentária no Brasil”
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