Há praticamente 15 anos é assim: os Estados Unidos vendem mais produtos para o Brasil do que o Brasil para os Estados Unidos. Apesar da desvantagem brasileira, o embate comercial desencadeado pela política protecionista do presidente Donald Trump ignorou qualquer análise técnica e escalou para uma crise diplomática com a taxação de 50% das exportações brasileiras. O que era uma situação relativamente confortável para o Brasil, diante da guerra comercial mundial de Trump, se transforma em um imbróglio político que ninguém sabe onde vai parar nem como será a solução.
Com isso, o impacto se estende para além da questão comercial. As vendas para os Estados Unidos representaram cerca de 12% das exportações brasileiras no ano passado, mas a repercussão da medida do governo americano resvala para o mundo financeiro, agregando volatilidade, sobretudo, no mercado cambial. Desta forma, a depender do tempo que durar a pendenga, o impacto deixa de ficar restrito a alguns segmentos exportadores para se disseminar pela economia.
Volatilidade cambial se espalha como pólvora porque afeta os preços praticados internamente no Brasil, da indústria à agricultura. E como destacou o próprio presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em audiência pública no Congresso esta semana, a taxa de câmbio tem uma correlação com o custo de produção até mesmo da agricultura familiar. Em outras palavras, uma possível desvalorização do real frente ao dólar significaria alta do preço dos alimentos, o que puxa o índice oficial de inflação e exige, por parte do BC, mais juros para tentar frear a onda inflacionária, e um ciclo vicioso que se espalharia até a dívida pública.
A crise com uma das maiores potências mundiais ocorre num momento em que, a despeito do desempenho favorável do nível de atividade, de emprego e da renda, há fragilidades na economia brasileira, sobretudo fiscais que potencializam uma instabilidade financeira. A discussão sobre os gastos públicos e fontes alternativas de receita jogam luz sobre o tamanho e a sustentabilidade da dúvida pública. O novo flanco de batalha é preocupante o suficiente para drenar a energia do governo que tenta superar a maior crise política com o Legislativo.
As reações de Lula
Na noite desta quarta-feira, 9, a crise produziu fatos que terão desdobramentos nas próximas semanas. Em um gesto de contrariedade com a Casa Branca, o Itamaraty convocou o chefe da Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, Gabriel Escobar, para a segunda reunião do dia na chancelaria.
A posição brasileira, em outro movimento, foi divulgada em nota oficial e nas redes sociais do presidente Lula. Na mensagem, o petista voltou a dizer que o Brasil é um país soberano, com instituições independentes, e que “não aceitará ser tutelado por ninguém”. Ele também defendeu o processo judicial contra os que planejaram um golpe de Estado, referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro, aliado citado por Trump na carta em que anunciou o aumento da tributação dos produtos do Brasil.
Um dos pontos da nota oficial trata da elevação de tarifas de forma unilateral pelo Estados Unidos. Lula disse que a medida será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica. Lula destaca ainda que é falsa a informação divulgada por Trump de que os Estados teriam superávit na balança comercial com o Brasil.