No Brasil do Banco Central não há impacto do crédito consignado do setor privado na economia, nem da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, e tampouco da redução de tarifas de importação sobre alguns alimentos. Das medidas de estímulo ao consumo para tentar turbinar os dois últimos anos da gestão do presidente Lula e reduzir o preço dos alimentos, só a liberação de R$ 12 bilhões do FGTS está computada nas planilhas da autoridade monetária. Ainda assim, o cenário mostra: i) preços pressionados, ii) incertezas em excesso e iii) dificuldade de coordenação das expectativas dos analistas e de investidores sobre a trajetória futura da inflação.
“Nossa função não é explicar a razão por que as expectativas estão desancoradas, mas, sim, reagir a elas. E é o que estamos fazendo”, defende o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. E o BC sinalizou mais juros na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), prevista para maio. A decisão fez muita gente dentro do governo torcer o nariz, apesar de o BC indicar, também, que a próxima alta será de menor magnitude do que as de um ponto percentual registrado nas últimas três reuniões do Copom.
“É muito difícil um processo de desinflação com as expectativas desancoradas como elas estão hoje”, justifica Galípolo. Segundo ele, o BC ministra o remédio, mas o efeito virá “ao longo do tempo e a percepção se esse remédio está funcionando ou não vai se dar por uma série de dados e indicadores que vão dizer se a dosagem está adequada ou não”. Na luta para desinflacionar a economia, o BC vem trabalhando com “um olho no gato e outro no peixe” e os diretores jogam com a incerteza para tentar desviar de armadilhas do governo, de um lado, e do mercado financeiro, do outro.
A sinalização de uma alta menor dos juros gerou, no Palácio do Planalto, a sensação de que o ciclo de alta está perto do fim, o que poderá livrar o presidente Lula, em breve, do desconforto de ter que justificar uma das maiores taxas do mundo. Já no mercado financeiro, a reação inicial foi um reforço nas apostas de uma elevação de 0,5 ponto percentual na Selic (taxa referência para a economia), metade do aumento registrado nas três últimas reuniões do Copom (o comitê que define o rumo da política monetária).
Essa combinação de expectativas poderia deixar o BC “no corner”, segundo uma graduada fonte oficial. Isso porque, com o cenário de inflação com muitas variáveis que podem atrapalhar a convergência do IPCA para a meta, não se pode correr o risco de surpreender o mercado e o governo com uma alta maior. Ao contrário, avalia-se que o trabalho do BC é pavimentar o caminho e conduzir ambos para o cenário que os diretores vislumbram.
Nesta quinta-feira, 27, Galípolo e o diretor de Política Monetária do BC Diogo Guillen (foto), durante divulgação do Relatório de Política Monetária, um documento trimestral com avalição consolidada dos principais dados da economia, reconheceram que é um momento incômodo de convivência com juros elevados, inflação rodando acima da meta e a necessidade de desaquecer a economia. Mas justificaram a necessidade de “preservar um grau de liberdade” até que o BC possa reunir dados suficientes sobre os desdobramentos das altas já realizadas e das medidas adotadas pelo governo na economia.
Galípolo lembrou, por exemplo, que as projeções sobre o volume de recursos que as medidas anunciadas podem movimentar na economia nos próximos anos têm um intervalo de variação muito grande, de cerca de R$ 250 bilhões. E negou especulações de que o BC trabalharia para levar a inflação para a meta num tempo maior, uma forma de minimizar o impacto na economia beneficiando o governo que sofre com a baixa popularidade.
“Acho curioso falar em suavização ou não comprometimento com a meta após entregar 300 pontos de juros “, argumentou Galípolo. “A gente mostrou com clareza que há compromisso do BC na perseguição da meta”, acrescentou.
Galípolo e Guillen deixaram claro que, mesmo projetando um crescimento de 1,9% para a economia este ano, abaixo dos 2,3% previstos pelo Ministério da Fazenda, ainda há condições externas bastante voláteis, questões fiscais que repercutem nas expectativas dos agentes econômicos e pressões nos preços.
O BC sabe que vive um momento crucial, que determinará a capacidade dos diretores de se firmarem no governo e ganharem credibilidade para ancorar as expectativas em relação à inflação futura. Daí porque deixar crescer a aposta de que os juros podem subir 0,5 ponto, ou menos, na próxima reunião do Copom é ruim. Se a inflação não der sinais de queda, se as medidas adotadas pelo governo de estímulo ao crédito anularem o efeito da alta de juros e turbinarem o consumo e a economia, o BC teria que surpreender a todos elevando 0,75 ponto percentual. Nesse caso, ele poderia ser taxado de mais ortodoxo.
Enquanto isso, se o mercado já estiver precificando mais alto, facilita o trabalho do BC de entregar mais juros diante de um quadro ainda negativo. “Se o mercado precifica 0,5 e vem 0,75 fica ruim justificar até dentro do governo”, avalia um interlocutor. "A última coisa que o BC quer é ser cobrado pelo governo que até o mercado está precificando menos". Ao mesmo tempo, se ao longo dos próximos meses os indicadores econômicos mostrarem um cenário melhor para a inflação, haverá uma migração natural das apostas por um aumento mais leve nos juros.