Transformações da Economia Mundial
O espaço econômico internacional, na posteridade da Segunda Guerra Mundial, foi construído a partir do projeto de integração entre as economias nacionais proposto pelo Estado americano e por sua economia. A hegemonia de Tio Sam foi exercida mediante a expansão da grande corporação americana e seus bancos. Depois da reconstrução econômica da Europa e da resposta competitiva da grande empresa europeia, a rivalidade entre os sistemas empresariais vai promover o investimento produtivo cruzado entre os Estados Unidos e a Europa e a primeira rodada de industrialização fordista na periferia.
A concorrência entre as empresas transnacionais da tríade desenvolvida (Estados Unidos, Japão e Eurolândia) determinou a reconfiguração da geoeconomia global. A transnacionalização da grande empresa - acompanhada da ampliação e da reorientação dos fluxos de comércio - promoveu o investimento “cruzado” nos mercados dos países industrializados e suscitou a redistribuição geográfica da produção manufatureira para a periferia. A “metástase” da grande empresa ganhou força na década dos 90 e, desde então, concentrou o investimento industrial na China e na Ásia emergente. A inserção de novos atores não só expandiu o comércio mundial a taxas elevadas, como também transformou a sua natureza. Nas relações comerciais entre os países desenvolvidos prevalecia o intercâmbio de produtos dos mesmos setores (p. exemplo intercâmbio de automóveis entre a Alemanha e a Itália). Com o ingresso dos “emergentes” cresceu mais rapidamente o comércio entre setores diferentes.
A China, no entanto, fez a diferença. Sua “competitividade” é crescente, tanto nos mercados menos qualificados, quanto, em ritmo acelerado, nos de tecnologia mais sofisticada. Torna-se grande receptor (incluída a intermediação das praças de Hong-Kong e Singapura) do investimento direto americano, europeu e japonês e, ao mesmo tempo, ganha participação crescente no mercado de bens finais, peças e componentes dos Estados Unidos e Europa. O drive exportador chinês vai deslocando a participação de seus parceiros asiáticos em terceiros mercados, ao mesmo tempo em que estimula as importações de peças e componentes dos países da região. A aceleração da taxa de investimento nos emergentes asiáticos levou à rápida acumulação de capacidade produtiva e à graduação tecnológica em quase todos os setores ligados ao comércio exterior. São óbvias as conexões entre o investimento estrangeiro na indústria manufatureira da China e a constituição de um modelo export-led growth.
O bom desempenho das exportações e o investimento público em infraestrutura promoveram o crescimento do emprego, da renda da famílias chinesas e a manutenção de um alto nível de ocupação da capacidade produtiva. No embalo desse movimento, a demanda chinesa de matérias-primas e alimentos inverte a tendência secular das relações de troca no comércio internacional: os preços deixam de se mover a favor das manufaturas e contra os produtos primários.
A redistribuição espacial da indústria manufatureira ampliou os desequilíbrios nos balanços de pagamentos entre os EUA, a Ásia e a Europa, bem como favoreceu o avanço da chamada globalização financeira. Os EUA foram capazes de atrair capitais para cobrir os déficits em conta corrente: assim mantiveram taxas de juros moderadas, dólar valorizado e importações baratas. Essa agradável articulação juros-câmbio propiciou a chamada Grande Moderação. Nesse período de calmaria inflacionária e juros módicos, a ampliação dos déficits em conta corrente dos EUA teve como contrapartida a rápida acumulação de reservas nos países emergentes, cuja utilização na compra de títulos públicos americanos ensejou a espantosa expansão do crédito, fomentou a inflação de ativos e estimulou o consumo das famílias.
Na mesma toada, os Estados Unidos beneficiaram-se da valorização de sua moeda e, assim, puderam se dar ao luxo de sustentar uma política monetária expansionista, apesar da acelerada ampliação do déficit em conta corrente. As sucessivas crises das moedas e dos mercados financeiros na periferia reforçaram o papel do dólar como moeda reserva, pois incitaram a demanda por títulos do governo norte-americano, a fuga para a qualidade.
Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de vários livros, entre eles “Valor e Capitalismo” e “Os Antecedentes da Tormenta”, e ocupou cargos públicos como o de secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e o de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo
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