Poucos temas são tão consensuais no Congresso quanto a destinação de emendas parlamentares. Desta vez, o Palácio do Planalto também entrou em acordo para driblar as regras de transparência determinadas pelo ministro Flávio Dino, endossadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal), sobre a distribuição de dinheiro do Orçamento federal.
Nesta quinta-feira, 13, dia da primeira sessão conjunta do ano, Câmara e Senado deixaram de lado os conhecidos embates entre oposição e governo, Executivo e Legislativo, para aprovar o único item da pauta: o projeto de resolução 1/2025, que mantém secretos os nomes dos autores dos repasses dessas verbas.
O entendimento se refletiu no plenário. Entre os deputados, 361 votaram a favor e 33 contra a proposta. Dos senadores, 64 aprovaram o texto e três rejeitaram. Nas discussões, o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ignorou as falas críticas ao acordo, todas de deputados do PSOL e do Novo.
A sessão havia sido convocada na véspera, mas o parecer do relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), só chegou ao plenário 45 minutos antes do início dos trabalhos. Para usar uma expressão corrente entre políticos, a votação foi um "tratoraço" conduzido por Alcolumbre com a concordância do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que não estava presente, mas comandou as negociações para que o projeto fosse aprovado.
Momentos antes da sessão, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), se reuniu no Palácio do Planalto com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT-PR), para falar sobre o assunto. Assegurou que o texto seria aprovado. Depois, Randolfe acompanhou as discussões e a votação do alto da Mesa Diretora, atrás de Alcolumbre, com quem cochichou em várias vezes. Encerrada a votação, o líder informou o resultado ao Planalto.
Os congressistas envolvidos nas negociações alegam que a proposta foi acertada em conversa que os dois presidentes do Legislativo tiveram com o ministro Flávio Dino assim que assumiram seus postos no início de fevereiro. No entanto, as modificações feitas pelo relator permitem que os parlamentares façam indicações por meio de suas bancadas partidárias, apenas com a assinatura do líder da sigla, sem identificação do autor original.
"Revival" do orçamento secreto
Na prática, o modelo aprovado recria para as emendas de bancada a mesma fórmula que existia para as emendas de relator, base do chamado orçamento secreto, com as quais deputados e senadores destinavam recursos anonimamente para projetos, prefeituras, estados e outras instituições, sem que fosse necessário ficar atrelados formalmente à destinação das verbas - até porque ninguém conseguia saber quem estava mandando dinheiro para onde.
Em seus despachos, Dino tem rejeitado os repasses de dinheiro sem a devida comprovação de quem encaminhou, quem apoiou, qual a motivação do gasto e como será rastreada a aplicação dos recursos. O ministro do STF, no entanto, disse a interlocutores que não deverá agir "de ofício". Ele só decidirá sobre a questão das emendas se houver alguma reclamação encaminhada ao Supremo. Na quinta-feira, a resistência ao projeto uniu dois opostos na Câmara: o PSOL, de esquerda, e o Novo, de direita. As lideranças das duas siglas informaram que ainda não sabem se vão judicializar a questão.
A desconfiança entre parlamentares desses partidos é que a negociação não envolveu somente o Legislativo e o Executivo, como ficou comprovado na sessão do Congresso. Deputados do PSOL e do Novo suspeitam que o acordo para destravar as emendas tenha também envolvido o Judiciário. Nesse contexto, as duas legendas avaliam se vale a pena apresentar uma reclamação ao ministro Dino. Nas palavras de um dos parlamentares insatisfeitos, a consequência da aprovação do projeto será uma reedição da máxima "com Supremo, com tudo", imortalizada pelo então senador emedebista Romero Jucá no auge da Lava Jato. Àquela altura, os políticos alvejados pela operação discutiam entre si um acordo amplo e irrestrito, inclusive com o STF, para enterrar as suspeitas que os envolviam.
"Ainda vamos olhar o texto final para decidir qual é a melhor possibilidade. Tudo que a gente tinha que falar a gente já falou aqui no plenário", disse a deputada Adriana Ventura (SP), líder do Novo, em entrevista ao PlatôBR. Ela espera uma atitude de Flávio Dino sem que seja necessário entrar com uma ação, por entender que o texto aprovado fere frontalmente as determinações do Supremo. "Quero ver o que o ministro Dino vai dizer. Se o próprio STF chancelar uma negociata do Legislativo com o Executivo, essa lambança com o dinheiro público, nós temos um problema. Por que precisamos judicializar? Basta o Supremo interferir", enfatizou a deputada.
O PSOL tratará do tema em uma reunião da bancada na próxima terça-feira, 18, disse o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), que caracterizou a distribuição de verbas pelos congressistas como uma forma de compra de voto para as eleições que ocorrerão no ano que vem. "O que está se estabelecendo, na verdade, é a cristalização das emendas como um elemento de reprodução de mandato, de curral eleitoral, de clientelismo, que é um retrocesso do ponto de vista da República e da separação de poderes", disse Alencar.
A depender das próximas movimentações, será possível saber quais pessoas, instituições e partidos apoiaram o grande acordo. Ainda nesta quinta, enquanto o Congresso votava as regras, Dino cuidava de uma audiência pública no Supremo sobre queimadas na Amazônia. No encontro, ele falou do acordo sacramentado no Congresso. Disse que as regras para emendas no Orçamento estão "longe do ideal", mas reconheceu avanços nos entendimentos. "Ainda muito longe do ideal, mas passos concretos foram dados", afirmou o ministro.