O Banco Central avalia que nem todo impulso ao crédito dado pelo governo será traduzido em mais consumo. Se confirmada a previsão, algumas medidas tomadas pela equipe econômica podem, pelo menos em parte, reduzir o descompasso entre as ações da Fazenda, que estimula o crescimento econômico via consumo das famílias, e a postura do Copom, o comitê que define a política de juros no Brasil e tenta desacelerar o nível de atividade encarecendo o crédito.
Somente neste início de ano, três medidas da equipe econômica prometem injetar R$ 205 bilhões na economia, com impacto no crescimento. A principal, estima-se, deve movimentar R$ 120 bilhões em novas concessões de empréstimos consignados a trabalhadores do setor privado este ano. Nos primeiros 30 dias, segundo o Ministério do Trabalho, houve liberação de mais de R$ 8 bilhões, num período ainda considerado de adaptação para o sistema financeiro, já que são necessários ajustes para empenhar parte do FGTS como garantia da transação. Isso reduz o risco e o custo dessa modalidade.
Fora o estímulo ao consignado privado, o governo também anunciou a antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS (R$ 73,3 bilhões) e o pagamento do FGTS retido para uma parcela dos trabalhadores que optou pela modalidade saque-aniversário (R$ 12 bilhões).
O presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, vem reforçando o discurso de que a substituição de um crédito muito caro, já contraído pelas famílias, por linhas mais compatíveis com o patamar de juros para uma economia como a brasileira, como deve ser o consignado privado com garantia, não só corrige uma distorção do mercado que ganhou força após pandemia da Covid-19. Para ele, é algo que contribui também para melhorar a potência da política monetária. É o caso do consignado para trabalhadores do setor privado com garantia do FGTS.
Na última semana, durante uma entrevista coletiva, Galípolo destacou que o fato de as pessoas tomarem crédito a um custo que é “um múltiplo da Selic” (a taxa referência para economia brasileira), como é caso da linha rotativa do cartão de crédito, afeta a potência da política monetária, assim com o crédito subsidiado a empresas e setores específicos. E isso, na opinião dele, dificulta o trabalho do BC em um momento em que é preciso desinflacionar a economia e os juros são o principal instrumento à disposição da instituição.
Com o aumento da taxa Selic, os diretores do BC elevam o custo do crédito para reduzir novas concessões, visando desestimular o consumo e, como consequência, a produção de bens e serviços e o nível de emprego e renda. Esse ciclo resulta em menor crescimento e em inflação mais baixa. No entanto, apesar de ter elevado em 3,75 pontos percentuais a Selic, que até meados de setembro de 2024 estava em 10,5% e subiu para 14,25% em março com a promessa de nova alta nesta semana, o BC ainda está com dificuldades de fazer o índice de preços referência, o IPCA, recuar do patamar próximo a 5,5% ao ano no período acumulado em doze meses para a meta de 3% ao ano.
Mais de um cartão
O BC não identifica queda no endividamento das famílias, como esperado. Uma das explicações é o uso dos limites em mais de um cartão de crédito, uma das modalidades mais caras do mercado, como complemento de renda.
Segundo dados do BC, o total de novas concessões na modalidade rotativo (incluindo cartão de crédito e cheque especial) subiu 12,3% no período de doze meses encerrado em março deste ano. Somente em março, as concessões no crédito rotativo subiram 8%, sendo que, na modalidade crédito pessoal, que tem o custo menor, há queda de 2,2%. O estoque do crédito rotativo total concedido pelo sistema financeiro cresce 15,2% em doze meses frente a 9% do crédito pessoal.
A medida do governo para estimular crédito consignado entre trabalhadores da iniciativa privada, que passou a valer no final março, já fez as concessões dessa modalidade subirem 32% no período, mas o volume no mês ainda foi baixo (R$ 2 bilhões). Para se ter ideia, no mesmo período foram concedidos R$ 44 bilhões no cheque especial e R$ 234 bilhões no rotativo total.
Enquanto a taxa média praticada no mercado para pessoas físicas no crédito rotativo é de 15,18% ao mês, de acordo com levantamento do Banco Central, no cheque especial é de 7,35% ao mês e, no crédito pessoal, de 6,13%. Já os empréstimos consignados para trabalhadores do setor privado têm um custo de 3,02%, ainda maior do que o 1,94% cobrado na mesma modalidade de servidores públicos e do que o 1,80% dos aposentados e pensionistas do INSS.
A ideia do BC é que parte dos trabalhadores usará a nova linha para quitar dívidas com custo maior, melhorando o perfil do endividamento. “Isso é saudável para economia”, diz um interlocutor da equipe econômica. “Além de garantir que as famílias organizem suas finanças e tenham condições de consumir mais adiante”, prossegue. “É uma medida que favorece os trabalhadores e o Banco Central”, afirma.