Trump quer afastar o Pato Donald do Zé Carioca. Não vai conseguir
Entre 1930 e 1960, brasileiros e brasileiras, eufóricos e sonhadores, viajavam com alguma frequência pelas asas da Panair rumo aos Estados Unidos. Curtiam férias em Nova York, Miami ou São Francisco, e quando voltavam traziam malas abarrotadas de calças Lee, cigarros More, cervejas Budweiser, perfumes baratos e uma variada série de equipamentos eletrônicos. Tudo top de linha, pagando imposto baixo e mediante o controle severo dos traveler’s cheques e olhares curiosos e encantados das crianças que adoravam aquela magia das férias. A partir da década de 40 o papagaio Zé Carioca, criado por Disney, se juntou ao já famoso e marrento Pato Donald e deu ares ainda mais cheios de afetos e afagos entre americanos e brasileiros. Disney era o Paraíso, ou quase.
Fácil deduzir que milhares daquelas crianças, que outrora se encantaram com os sonhos de Disney e as arruaças dos personagens divertidos, hoje são adultas e cientes do que a história contou. Tradições, cultura e legados de toda ordem, um registro verdadeiro da relação saudável e historicamente pacífica que sempre existiu entre os dois países.
Por tudo isso, e por causa disso, a elevada taxação de impostos a produtos brasileiros enviados àquele país, repentinamente, causa todo esse stress desagradável e preocupante a grande parcela da comunidade, principalmente ao meio empresarial.
Trump, já batizado por Lula como o Imperador do mundo, desde que eleito, abriu suas asas sobre as nações e a todas abriga como se fossem suas crias, submissas e dolentes. Dóceis. Analistas com anos de estrada sobre política internacional, e aqueles que caminham pelo mundo diplomático, não escondem o espanto e se dizem surpresos diante da desenfreada maratona de decisões descabidas do presidente americano, em alguns casos decidindo o futuro de países e de seus habitantes.
Uma pequena parcela da comunidade brasileira sabia, ou desconfiava, que há muito rolava uma afinidade pessoal, ou diplomática, entre Trump e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro. O que ninguém sabia é que, o que antes era simpatia, de repente se transformou em potencial dedicação de afeto, a ponto de impor a adversários severas punições, caso algo perturbe as sinceras manifestações de apreço de Tio Sam. De forma radical, e visivelmente agressivo, Trump ignorou a costumeira diplomacia e, sem rodeios, condicionou possível mudança de postura somente após um gesto de perdão ao seu afilhado, apontado como golpista.
Não há na história dos tempos modernos nenhum gesto entre nações que se assemelhe a essa chantagem emocional, jurídica, e para alguns patética, adotada pelo presidente americano. O que virá a partir dessa decisão inédita, independentemente da sua efetivação total ou parcial, nos arremete para um inevitável abalo nas relações comerciais, diplomáticas e políticas com o país amigo, até então sem mácula e absolutamente cordial.
Toda essa narrativa, recheada de ingredientes que colocam os dois países no topo dos debates da mídia mundial, é robusta de personagens polêmicos, todos eles distantes do que realmente possa trazer benefícios ou contribua para o bem comum do cidadão.
Alojado há meses em algum lugar do solo americano, Eduardo Bolsonaro, o filho mimado do Capitão, se diz íntimo de autoridades daquele país e não se incomoda em ser apontado como um dos responsáveis por toda essa manifestação pouco simpática aos olhos do mundo econômico e comercial dos dois países. Como acontece em todas as crises, seus estilhaços atingem a todos ao seu redor. E alguns ferimentos demoram a cicatrizar.
O empresariado brasileiro se diz angustiado e temeroso pelo day after dessa história toda. Há uma real ameaça de prejuízo elevado para empresas que sobrevivem somente das exportações para o solo americano. O estrago atinge também o lado político, e traz no pacote uma série de constrangimentos e transtornos. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, estado sede do maior grupo de empresários do país, reza terços e faz orações para que sua postura contra as medidas adotadas por Trump não o afaste do padrinho Bolsonaro, a quem teme e se curva.
Ainda aguardando resultados de negociações em curso, o presidente Lula finca posição sobre a austeridade e independência do país, prometendo resposta na mesma moeda caso as taxações não sejam reduzidas. Tudo indica que teremos fortes emoções ainda pela frente, uma vez que os avanços diplomáticos em curso parecem não impressionar o presidente americano da forma que Lula esperava. Com isso, Zé Carioca e o Pato Donald, mesmo que sem a energia de sempre, não sinalizam rompimento imediato. Garantem amizade eterna.
José Natal é jornalista com passagem por grandes veículos de comunicação como Correio Braziliense, TV Brasília e TV Globo, onde foi diretor de redação, em Brasília, por quase 30 anos. Especializado em política, atuou como assessor de imprensa de parlamentares e ministros de Estado e, ainda, em campanhas eleitorais
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