Após 35 anos de pesquisa sobre os militares brasileiros, o historiador Carlos Fico lança em maio aquele que, segundo ele, será o último livro de sua carreira. Um dos mais importantes historiadores de sua geração, Fico decidiu se aposentar, mas seguirá professor titular de História do Brasil na UFRJ. Além disso, deseja explorar a redação e a produção de roteiros e documentários históricos.
A obra apresenta um panorama dos golpes e tentativas de golpe que assolaram o país desde a Proclamação da República. Em entrevista à coluna, Fico falou sobre o novo trabalho, que sai pela editora Crítica.
“A expressão ‘utopia autoritária’, que deu nome ao livro, partiu da tese de que o que unificava militares com diferentes ideias — mesmo dentro de regimes autoritários — era a doutrina de segurança nacional. Uma crença de que, mesmo com métodos violentos e ilegais, a intervenção militar era vista como legítima por ter como objetivo ‘salvar’ a população e transformar o Brasil em uma potência”, explicou o autor.
Segundo Fico, mesmo com divergências internas — como em relação à tortura —, a maioria dos militares compartilhava três crenças fundamentais: de que o povo é despreparado para se autogovernar, de que todo político é corrupto e de que os militares estão acima dos civis.
Para compor o livro, o historiador investigou diferentes formas de repressão — espionagem, prisões, tortura, assassinatos e censura — e analisou episódios de ruptura da legalidade constitucional com intervenções militares.
Entre eles, o golpe da Proclamação da República, em 1889, os levantes de 1904, 1922, 1924, 1930 e 1964, e a tentativa de golpe entre 2022 e 2023, durante o governo de Jair Bolsonaro.
Sobre a escolha de cobrir um período tão extenso da história, Fico quis mostrar o enraizamento do fenômeno:
“Escolhi tratar desde o nascimento da República para mostrar ao leitor como esse fenômeno do intervencionismo militar foi recorrente e estruturalmente enraizado no Brasil. Além disso, quando se falava em golpe, pensava-se apenas na ditadura dos anos 1960 a 1980, ou na tentativa mais recente que ainda está fresca na memória. Mas houve muitos outros episódios, que muitas pessoas sequer estudaram. Foi importante falar sobre isso”.