Na abertura do segundo semestre do Judiciário, o ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo, manifestou “veemente repúdio” contra “ação orquestrada de sabotagem contra o povo brasileiro”. Leia íntegra:
Excelentíssimo Presidente, Ministro Luís Roberto Barroso; Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor Ministro Alexandre de Moraes.
É com grande consternação, mas também com a serenidade que a gravidade do momento exige e com a firmeza que a defesa de nossas instituições impõe, que, na condição de decano, me dirijo a Vossas Excelências e ao povo brasileiro no dia de hoje.
Nos últimos dias temos acompanhado, com perplexidade, uma escalada de ataques contra membros do Supremo Tribunal Federal e, assim, contra toda a Corte e contra todo o povo brasileiro, de forma agressiva e totalmente inusual. Tais medidas, motivadas por discordâncias de natureza política em relação à atuação jurisdicional do Supremo, demandam uma resposta à altura da dignidade da nossa Corte e da soberania do Estado brasileiro.
Nesse sentido, venho manifestar meu mais veemente repúdio aos recentes atos de hostilidade unilateral, que desprezam os mais básicos deveres de civilidade e respeito mútuo que devem balizar as relações entre quaisquer indivíduos e organizações. Mas os fatos recentes se revelam ainda mais graves porque decorreram de uma ação orquestrada de sabotagem contra o povo brasileiro por parte de pessoas avessas à democracia, armadas com os mesmos radicalismos, desinformação e servilismo que vêm caracterizando sua conduta já há alguns anos.
Afinal, não é segredo para ninguém que os ataques à nossa soberania foram estimulados por radicais inconformados com a derrota do seu grupo político nas últimas eleições presidenciais. Entre eles, um deputado que, na linha de frente das intrigas, fugiu do país para covardemente difundir aleivosias contra o Supremo Tribunal Federal, num verdadeiro ato de lesa-pátria. O alvo central contra quem as baterias dos radicais têm se voltado é o eminente ministro Alexandre de Moraes, que, como todos sabem, é o responsável pela apuração da tentativa de golpe de Estado para impedir a posse do governo eleito em 2022.
Não é de hoje que o ministro Alexandre tem sido alvo de críticas infundadas em torno da condução dessas investigações. Sobre isso, sempre digo e repito: a atuação do Supremo e de seus ministros não está imune a críticas. Elas são bem-vindas quando, num gesto de boa-fé, procuram aperfeiçoar o funcionamento das instituições. Porém, é imperativo que, em tempos de crises e desafios, possamos distinguir entre as ponderações sérias e construtivas e as opiniões levianas, que docilmente aderem às narrativas falaciosas fabricadas pelos diversos gabinetes do ódio espalhados pelo país e difundidas nas redes.
E isso para não mencionar as investidas que dolosamente visam corroer a independência de nossas instituições e enfraquecê-las. Nesse sentido, as censuras que têm sido dirigidas ao ministro Alexandre, na sua grande maioria, partem de radicais que buscam interditar o funcionamento do Judiciário e, com isso, manietar as instituições fundamentais de uma democracia liberal. As acusações partem de dois eixos de insatisfações.
De um lado estão os ataques feitos pela claque de apoiadores das lideranças políticas que são acusadas de uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. À medida que testemunhas ouvidas em juízo confirmam fatos graves, como, por exemplo, a confissão de elaboração de um plano para assassinar juízes e autoridades, os ataques ao Supremo ganham mais intensidade. Tudo fruto de desespero daqueles que se veem às voltas com acusações graves e que, ao serem confrontados com elementos de prova comprometidos, sérios e incontestáveis, apelam a cantilenas de perseguição política e de afronta ao devido processo legal.
O segundo foco de insatisfações, mais relacionado com interesses de grandes empresas de tecnologia, diz respeito ao processo em que o Supremo decidiu que as plataformas não podem se omitir assim que sejam notificadas no combate a crimes graves praticados por usuários nas redes sociais, como pedofilia, terrorismo e instigação ao suicídio. A mera perspectiva de que elas possam vir a ter deveres triviais — diga-se, os mesmos que já são exigidos de todas as empresas que operam no Brasil — despertou lobbies poderosos.
Esses agentes reagem agora para tentar, em vão, dobrar o tribunal e o governo brasileiro aos seus caprichos e aos seus interesses econômicos. Cumpre dizê-lo, com a serenidade e com o desassombro que esse tipo de investida exige de todos nós, membros desta Casa centenária: este Supremo Tribunal Federal não se dobra a intimidações.
Alguns esclarecimentos, porém, são necessários — não por qualquer necessidade de prestar contas a quem propaga aleivosias ou promove afrontas e ataques contra o Tribunal. Esta exposição se dirige ao povo brasileiro, que é bombardeado diariamente por desinformação nas redes sociais e tem direito de compreender o que de fato está ocorrendo e quais os interesses que estão por trás dos ataques contra as instituições.
Inicialmente, quanto ao respeito aos ritos legais e aos direitos dos réus nas ações que apuram a tentativa de golpe, é necessário enfatizar que a condução dos casos tem sido pautada pela legalidade, pelo respeito aos direitos e garantias individuais e pelo compromisso inegociável com a verdade.
Não há nenhum fato real, concreto e individualizado que sinalize o menor desvio ou descuido do relator em relação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório. Ao votar pelo recebimento da denúncia do núcleo crucial da suposta trama golpista, o relator apontou que a defesa dos réus teve acesso à íntegra dos autos e a todas as provas que embasaram a denúncia, e mostrou que há registro oficial das inúmeras ocasiões em que os advogados manusearam os autos da ação penal e das investigações.
O respeito ao direito de defesa tem sido constante, com participação efetiva dos advogados e réus nos atos processuais, apresentando provas, deduzindo teses e resistindo aos argumentos da acusação. Além disso, as sessões da Turma não apenas podem ser acompanhadas presencialmente pelos advogados, pelos réus e pela imprensa, como são transmitidas em tempo real pela TV Justiça, garantindo a mais ampla transparência dos atos processuais.
Diante da clareza dos fatos, devem ser fortemente rechaçadas quaisquer insinuações vazias sobre a lisura do rito observado pelo relator. Tais calúnias devem ser compreendidas pelo que verdadeiramente são: retórica política barata dos acusados e de seus asseclas para desacreditar o Tribunal e tentar desviar o foco do debate público dos graves fatos que estão sendo revelados pelas testemunhas e pelas provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República.
Não por outra razão, a cada testemunha que afirma ter presenciado uma reunião para discutir meios de interferir na Justiça Eleitoral, e a cada mensagem de aplicativo que mostra os bastidores da trama golpista, os ataques contra o relator voltam a aparecer com mais força. Essa estratégia faz parte de um método que já é bastante conhecido por todos. Afinal, vivemos em tempos em que a verdade é frequentemente distorcida e a desinformação é usada como arma política.
Neste cenário, é fundamental defendermos aqueles que, com coragem e retidão, enfrentam essas ameaças, mesmo quando isso implica suportar o peso de críticas injustas e ataques pessoais.
Afora os ataques feitos pelos apoiadores do grupo político derrotado na eleição de 2022, há ainda a desinformação fomentada pelas empresas de tecnologia, construída sob o pretexto de defesa da liberdade de expressão. Tal narrativa serve aos interesses privados dos seus acionistas, interessados na preservação de um modelo anódino de regulação das redes.
Sustentam que, por mais grave que seja certa publicação — como pornografia infantil, terrorismo, tráfico de pessoas e auxílio ao suicídio —, cabe somente à empresa decidir pela retirada ou não da publicação, segundo sua política interna, os assim chamados “termos de uso”. Não é difícil demonstrar que esse sistema, que se baseia em confiança quase absoluta na suficiência dos termos de uso e políticas de privacidade dos provedores de aplicações, oferece proteção deficiente a valores fundamentais da democracia.
Afinal, não são poucas as amostras recentes de que os sistemas internos de moderação das empresas falharam nessa missão, ao permitir que fossem amplamente mobilizados nas redes sociais conteúdos ilícitos, como desinformação sobre vacinas, ataques contra as instituições e chamados para o lamentável 8 de janeiro de 2023.
O modelo de regulação proposto por essas empresas contraria não só a nossa Constituição, como também as melhores práticas internacionais. Nos Estados Unidos, a decisão da Suprema Corte no caso Gonzalez v. Google (2023) mostrou que a Seção 230 do Communications Decency Act não impede que as plataformas sejam responsabilizadas pela promoção de conteúdo terrorista, por exemplo. Ou seja, mesmo na pátria da liberdade de expressão, as plataformas podem ser chamadas a responder por conteúdo ilegal.
Da mesma forma, na Europa, o Digital Services Act, em vigor desde fevereiro de 2024, exige que plataformas com mais de 45 milhões de usuários removam rapidamente conteúdos ilegais, incluindo discurso de ódio, propaganda terrorista e pornografia infantil. O descumprimento pode acarretar multas de até 6% do faturamento global da empresa. O Brasil, portanto, não está inventando nada. Apenas estamos acompanhando um movimento global de responsabilização proporcional, racional e razoável das plataformas digitais.
As Big Techs precisam compreender que a internet não é uma terra sem lei e que, no Brasil, a Constituição prevalece sobre os interesses econômicos de qualquer grupo, por mais poderoso que ele seja. O que se espera das empresas é responsabilidade e colaboração. Não se está a exigir nada além do que já se impõe às empresas brasileiras: que ajam com boa-fé, respeitem a legislação nacional e cooperem com a Justiça. Recusar-se a fazer isso, alegando que apenas cumprem as regras de seus termos de uso, equivale a ignorar que operam em solo brasileiro e estão sujeitas, sim, à jurisdição brasileira.
É nesse contexto que devemos compreender os ataques contra o Supremo e, especialmente, contra o Ministro Alexandre. Eles são orquestrados. Vêm sendo preparados há meses, com a participação de atores políticos e econômicos com interesses contrariados. Essas investidas miram o Ministro Alexandre não por ele ser um juiz parcial, mas, ao contrário, por ele estar sendo um juiz firme, imparcial e que se recusa a se deixar intimidar. O que se quer é constranger, é coagir, é atemorizar — não só o ministro Alexandre, mas todos nós. Querem nos amedrontar para que não enfrentemos os extremistas e os poderosos. Mas, como disse anteriormente, este Supremo Tribunal Federal não se dobra a intimidações.
É nosso dever assegurar que a verdade prevaleça e que a justiça seja feita, mesmo diante das mais severas tempestades. A história há de reconhecer aqueles que, mesmo sob intenso bombardeio político e midiático, não recuaram e não se acovardaram. A defesa da democracia, da verdade e da Constituição deve sempre nos orientar. E é por isso que, nesta data, faço questão de expressar minha irrestrita solidariedade ao Ministro Alexandre de Moraes, que tem se mostrado um verdadeiro guardião da nossa democracia e das nossas instituições.
Muito obrigado.