“Serenou tudo”. No meio da tarde desta quarta-feira, 16, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), usou essa expressão para tentar definir o clima pré-recesso parlamentar na relação entre o Planalto e a cúpula do Congresso. Menos de 4 horas após a declaração do líder, a decisão do ministro Alexandre de Moraes sobre o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que deu vitória ao governo, funcionou como um rastilho de pólvora ente a Câmara e o Senado. Levada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a faísca foi ligeira.
Motta abandonou a sessão em curso na Câmara assim que soube do despacho de Moraes, atravessou apressado os tapetes verde e azul e, ao chegar ao plenário do Senado, foi chamado para o alto da Mesa Diretora pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP), Os dois foram os principais responsáveis pela aprovação do Projeto de Decreto Legislativo que derrubou o aumento do imposto e foi tornado nulo pelo ministro do STF.
Do alto da mesa diretora do Senado, Motta assistiu a sinais emitidos por Alcolumbre de que, pelo menos nesse momento, não teria solidariedade em uma reação contra o governo. O presidente do Senado tocou a sessão, incluiu extra pauta a votação da proposta de Emenda à Constituição (PEC-66), que trata dos Precatórios e abre espaço fiscal para a equipe econômica, e nomeou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), como relator da proposta em plenário.
Alcolumbre também não reagiu às cobranças da oposição por uma reação do Congresso que incluiria defesa da anistia para os participantes dos atos golpistas do 8 de Janeiro, e ainda deu a palavra a Wagner, que defendeu a decisão de Moraes. “Eu só queria lembrar que houve um conflito entre os dois poderes, e o terceiro poder foi chamado para fazer uma arbitragem. Não se trata de anular a competência do Congresso, se trata de dirimir um conflito de interpretações sobre o decreto do IOF”, defendeu o líder.
Nesse clima, sem conversar com Alcolumbre, Motta se levantou e retornou para a Câmara. No caminho, ele foi questionado sobre o motivo de sua ida ao Senado. E respondeu: “A decisão é não comentar”.
O comportamento de Alcolumbre deixou claro que ele não respaldaria uma retaliação ao governo. Após a crise deflagrada pela derrubada do decreto de Haddad, o presidente do Congresso deu alguns passos na direção do Planalto. Motta permanecia mais reticente devido aos ataques massivos dos quais foi alvo após a derrubada do decreto do governo.
Outros fatos mostraram que o dia foi difícil para Motta e bom para o governo.
Número de deputados
Motta experimentou outro revés na noite desta quarta-feira ao ver a proposta de aumento do número de deputados ser vetada integralmente por Lula. A proposta era prioridade para o presidente da Câmara e ampliava as cadeiras de deputados federais de 513 para 531 a partir da próxima legislatura, o que facilitaria a reeleição dos atuais detentores de mandato na Câmara. Ao se negar a sancionar esse texto, o presidente da República deixou para o Congresso um assunto desgastante junto à opinião pública, por causa do aumento de custos para os cofres públicos.
Imposto de Renda
Mais cedo, o Planalto havia comemorado a aprovação da proposta de reforma do Imposto de Renda na comissão especial, sob a relatoria do ex-presidente Arthur Lira (PL-AL). O texto isenta do pagamento do tributo quem ganha até R$ 5 mil mensais. A ideia agora é que a Câmara vote a matéria na primeira quinzena de agosto para depois a matéria ser enviada ao Senado. Embora não possa ser vista como uma derrota de Motta, essa decisão demonstra que os entreveros de Motta com a equipe econômica e com o Supremo não contaminaram essa pauta, prioritária para o governo.
Investigação no TCU
Além das derrotas políticas, o presidente da Câmara terminou o dia com mais um problema. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) pediu a abertura de uma investigação sobre as supostas funcionárias fantasmas empregadas em seu gabinete. Apesar de estarem empregadas por Motta, elas não davam expediente na Câmara, ainda que remuneradas. Tratam-se de uma fisioterapeuta, uma estudante e uma assistente social, que foram exoneradas após as denúncias. Cinco parentes delas também já teriam exercido funções no gabinete. Agora, o MP quer a devolução de R$ 112 mil recebidos este ano.