Os telefones da sede nacional do PT não pararam de tocar nesta quarta-feira, 17, com reclamações de militantes e exigências de punição em relação aos deputados do partido que apoiaram a Proposta de Emenda à Constituição conhecida como PEC da Blindagem. Dos 67 deputados federais do partido, 12 desobedeceram à orientação do líder da bancada, Lindbergh Farias (RJ), e do presidente nacional do partido, Edinho Silva, e votaram a favor do texto.

Na prática, a proposta aprovada na Câmara, inviabiliza os processos da Justiça para punir congressistas, pois exige autorização prévia das casas legislativas para processar criminalmente deputados e senadores, limita prisões em flagrante a casos de crimes inafiançáveis e restringe a aplicação de medidas cautelares ao STF (Supremo Tribunal Federal). A proposta foi aprovada por 344 votos a 133.

Embora o texto faça referência apenas a parlamentares federais, a “PEC da blindagem” pode ser estendida a deputados estaduais, pois a Constituição prevê que imunidades criadas no Congresso são replicadas automaticamente pelas assembleias estaduais.

As reclamações vindas da base do partido do presidente Lula chegaram à liderança na Câmara, mas no primeiro momento não estão sendo cogitadas punições aos deputados.

Imagem de Lula 
Antes da votação, a bancada da legenda se reuniu a portas fechadas, com a presença do presidente da legenda, Edinho Silva. O comandante do partido apresentou uma série de argumentos para que os petistas não aceitassem um acordo proposto pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB): os deputados do PT votariam a favor da blindagem em troca do apoio do Centrão à derrubada do requerimento de urgência para a anistia, que deve ser levado nesta quarta-feira, 17, ao plenário.

De acordo com parlamentares presentes à reunião, Edinho mencionou a defesa da imagem de Lula diante dos deputados. Disse que votos do partido na proposta repercutiriam muito mal na sociedade e poderiam colocar a perder todo trabalho que tem sido feito no governo para recuperar a popularidade do presidente.

Edinho argumentou que a ofensiva política em torno da imagem de Lula, coordenada com o governo, já estava dando retorno de popularidade. Não seria inteligente, neste momento, embarcar em uma proposta que não era do partido, mas do Centrão. “Nem blindagem nem anistia, isso é um problema deles (Centrão). Edinho teve razão em falar isso, mas não foi ouvido por todos”, reclamou um petista, sob reserva, nesta quarta.

A reação aos votos dissidentes foi tão forte que o deputado Jilmar Tatto (SP), que é vice-presidente do partido e votou a favor da proposta, pediu mais respeito nas críticas. “Não espero concordância. Não espero complacência. Espero que, da mesma forma que fizemos na bancada, que o debate seja respeitoso e que se busque avançar para além da primeira página. Principalmente, sem ataques pessoais, pois não agrega uma vírgula na construção do debate”, postou.

“Sou um militante do Partido dos Trabalhadores e estou a serviço do governo Lula, e vou continuar a trabalhar para que prevaleçam os interesses do nosso povo, mesmo que isso implique em decisões difíceis e polêmicas”, disse o parlamentar.

Além de Tatto, votaram a favor, os deputados Airton Faleiro (PA); Alfredinho (SP); Dilvanda Faro (PA); Francisco (PI); Flávio Nogueira (PI); Florentino Neto (PI); Kiko Celeguim (SP); Leonardo Monteiro (MG); Merlong Solano (PI); Odair Cunha (MG), e Paulo Guedes (MG).

Trauma da Lava Jato
Apesar do pedido feito por Edinho de não embarcar com o Centrão, em uma rota de colisão com o STF, deputados que votaram a favor da proposta alegaram traumas com a operação Lava Jato, cujos abusos, na visão desses petistas, fizeram o partido sofrer.

Parlamentares que votaram a favor da matéria também alegaram a possibilidade futura de que, em outro contexto político, as investidas da Justiça se voltem contra o partido, contra o governo e contra Lula. Se, agora, o STF acabou de condenar Bolsonaro, podem mais tarde se voltar contra o PT.

Outro argumento utilizado pelos parlamentares a favor da PEC foi que o fechamento da questão contra a proposta, por parte da bancada, atrapalhou articulações com o Centrão e tensionou a relação com Motta, que  tem atuado para construir um texto alternativo à proposta de anistia ampla e irrestrita defendida pelos bolsonaristas.

Reação da esquerda
A dissidência abriu críticas na esquerda do partido. O coordenador da corrente Articulação de Esquerda, Valter Pomar, considerou “inaceitável” a atitude dos doze deputados. “No mérito e no contexto em que está sendo proposta, tal PEC não deveria nunca merecer nosso apoio. Pior ainda é votar a favor desta PEC, supostamente em troca de uma redução no alcance da anistia que a direita quer aprovar no Congresso”, criticou o petista em texto distribuído nesta quarta.

“E mais grave ainda é ter votado a favor, contra a orientação da liderança da bancada, como parte de uma negociação paralela entre um setor da bancada e um setor da direita. A disposição para fazer este tipo de acordo revela que, em algumas bocas, o discurso “contra o fascismo” pode não passar de mera demagogia, acrescentou.