Perseguição política não se faz num processo de três anos, com amplo direito de defesa. Na avaliação de Renato Mosca, embaixador do Brasil na Itália, essa é uma narrativa criada pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) para tentar forçar um julgamento na Itália e se livrar da prisão no Brasil, onde foi condenada, em maio deste ano, a dez anos de prisão por invadir os sistemas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Zambelli fugiu pouco depois da condenação. No início desta semana, ela foi localizada e presa em Roma.
A audiência de custódia na justiça italiana que irá definir se a deputada continuará presa até a decisão final sobre o pedido de extradição feito pelo governo brasileiro foi programada para esta sexta-feira, 1º. Ao PlatôBR, o embaixador do Brasil na Itália, Renato Mosca, defendeu que Zambelli siga presa. Para ele, é uma forma de evitar novos ataques contra as instituições brasileiras e, ainda, prevenir uma nova fuga.
Para Mosca, as polêmicas que envolveram processos de extradição entre os dois países, como o do ex-banqueiro Salvatore Cacciola e o de Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, estão superadas. Ele cita como experiências positivas dois casos recentes: a extradição, pelo Brasil, dos mafiosos italianos Rocco Morabito (2022) e Vincenzo Pasquino (2024).
Eis os principais trechos da entrevista.
O que o senhor espera da audiência desta sexta-feira?
Será uma audiência de custódia, como temos no Brasil. Serão dois juízes que vão presidir a sessão e vão decidir se ela continuará presa ou se terá de cumprir medidas alternativas, como prisão domiciliar ou mesmo tornozeleira. É uma decisão importante porque o processo de extradição não será resolvido em uma semana. Levará algum tempo. Até porque a deputada terá direito de defesa, recurso, caso a decisão seja desfavorável a ela.
E por que é importante ela continuar presa nesse período?
O fato de ela continuar presa é importante por duas razões: primeiro, para inibi-la a continuar o ataque às instituições brasileiras, coisa que ela não poderá fazer de dentro do presídio. Segundo, porque evitaria a possibilidade, tendo em vista o comportamento pregresso, de ela fugir da Itália também, caso sinta que uma decisão de extradição seja iminente. Esse é o procedimento normal: uma vez solicitada a extradição, o extraditando permanece sob custódia das autoridades durante todo o processo. Concluído o processo, se for aceita a extradição, ela é levada para o Brasil, ou liberada.
O pedido de extradição já foi feito?
Foi feito desde os dias 7, 8 de junho, dois a três dias depois que ela entrou na Itália. Eu fui entregar pessoalmente o pedido com os documentos para as autoridades italianas. O processo já está em andamento.
A sua expectativa é que, nesta sexta, a justiça decida pela prisão até a conclusão do processo de extradição?
É uma decisão que seria natural. Mas os juízes têm autonomia para decidir (de forma) diferente se entenderem que ela, por razão de saúde ou por outras razões, não possa ficar no presídio. Isso será decidido amanhã e será o primeiro passo. Depois, entra o andamento do processo de extradição.
Qual é o prazo para conclusão?
Eles (autoridades italianas) falam em prazo estimado de até 6 meses, mas normalmente, sai mais rápido do que isso.
Caso não fique presa, o que isso exigirá das autoridades brasileira na Itália?
Uma vez liberada da prisão, ela teria todas as garantias de que não estamos aqui para monitorá-la, muito menos para controlar a vida dela. A única que coisa que a gente fez foi o pedido de extradição. Não muda a rotina do que a gente faz aqui. Isso é uma questão judiciária italiana.
E a articulação política para ela ser julgada na Itália? Como lidar com isso?
Isso tudo faz parte de uma narrativa que ela criou e está propagando, e que começa com o fato de dizer que se entregou voluntariamente às autoridades italianas, coisa que não é verdade. Ela foi capturada em casa. Depois, tem essa questão de esperar que as autoridades italianas apoiem ou reconheçam algum tipo de perseguição política.
Isso é possível?
Estou convencido de que a Itália, neste momento, é um país que tem políticas muito sérias de combate à criminalidade, de cooperação policial e jurídica com vários países, inclusive o Brasil. Não vejo a Itália, por questões de cidadania ou perseguição política, acobertando uma pessoa condenada no Brasil dentro de um processo legal, com amplo direito de defesa num processo que levou mais de três anos. Não existe um processo de perseguição política de três anos. (Quando há) perseguição política, você cala o opositor em uma semana. Claramente, no caso dela não há perseguição política. Isso é uma narrativa que eles constroem para justificar a tentativa de escapar da pena de um crime que (ela) cometeu. A justiça italiana tem autonomia para acolher ou recusar a extradição com base no processo que veio do Brasil. Uma vez recusado, se a justiça italiana não aceitar, o assunto está terminado.
Se houver a negativa da extradição, não há recurso?
Tem a possiblidade de o governo brasileiro recorrer. Mas normalmente não funciona assim. Em primeiro lugar, não se pode nem reapresentar um pedido de extradição. Uma vez que o judiciário italiano decida pela não extradição, isso é um caso encerrado. E, se decidir pelo sim, ainda tem a instância política com o Ministério da Justiça e o governo.
Se for favorável…
Se der parecer favorável pela extradição, existe uma dimensão política ainda. O Ministério da Justiça, o governo italiano, decidirá se ela irá ou não ser extraditada. Então, neste momento talvez se coloque um enfoque político. As autoridades italianas terão a competência de dizer sim ou não. Eu não vejo dentro desse aspecto político o acobertamento de um crime, que é um crime previsto no Código Penal não só do Brasil, mas da Itália também, de invasão de sistema cibernético, especialmente de instituições públicas. Na Itália é um crime até mais grave do que a gente atribui no Brasil. Há uma narrativa que eles buscam construir de que ela é uma perseguida política. Sabemos que o Brasil vive um estado democrático de direito, as instituições funcionam. O Judiciário julga, mas as pessoas não se conformam. Elas acham que fugir do Brasil lhes garante imunidade contra o cumprimento de pena. Isso precisa ser desconstruído. Hoje temos mecanismos que impendem esse tipo de comportamento. Temos cooperação internacional, tratados e uma série de mecanismos que funcionam muito bem e que garantiriam a devolução dela para cumprir pena no Brasil.
O Brasil tem aprendizados com os casos Cacciola e Pizzolato…
Esses são casos superados, de outro momento. Hoje, vivemos um estado de cooperação bilateral importantíssimo de mais alto nível, de alto perfil. Visitas do procurador-geral de máfias ao Brasil, visitas do procurador-geral da República (do Brasil) aqui, do ministro da Justiça, do diretor da Polícia Federal… Existe um contato estreito. Nos últimos anos, em 2022 e 2024, nós extraditamos para a Itália dois mafiosos importantes. Em 2022, o Rocco Morabito e, em 2024, o Vincenzo Pasquino. Esses, sim, são antecedentes importantes, recentes e que demonstram em que nível está a nossa cooperação em matéria de extradição.
A embaixada do Brasil na Itália recebeu indicação de onde ela estava?
Quem recebeu a indicação foi o deputado (italiano) Ângelo Bonelli. Ele acionou as autoridades policiais, que foram no local. Ela foi encontrada e levada para o presídio.