A necessidade de uma solução para o equilíbrio das contas públicas saiu do mundo dos economistas e virou uma agenda política. Mas cabe ao Poder Executivo puxar esse debate, afirma a economista Zeina Latif. Com as medidas anunciadas até agora, ela avalia que a discussão sobre mudanças que tenham efeitos fiscais para os próximos anos não prosperou. “A história do estruturante ficou só no discurso. É assim que eu vejo. Não que eu fique surpresa, isso já era esperado”, diz. Na prática, a lógica ainda é arrecadatória, ela analisa.
Ex-economista-chefe da XP Investimentos e ex-integrante do Conselhão no governo Dilma Rousseff, Latif hoje é sócia da Gibraltar Consulting Economia. Em entrevista ao PlatôBR, ela afirma ainda que a aprovação de propostas que mudem a estrutura dos gastos públicos por um prazo mais no longo ajudaria o presidente Lula nas eleições do ano que vem, reduzindo a tensão que o mercado espera.
A seguir, os principais trechos da conversa.
O pacote de medidas agora está no caminho certo?
O lance de tributação é que o Brasil tem um sistema em que o certo seria, com espaço no orçamento, começar a desmontar certos impostos que mais trazem distorções do que qualquer outra coisa. A ideia é não penalizar investimento produtivo. Há o argumento de que, muitas vezes, tem isenção tributária para coisas que não trazem retornos para economia. Mas o ponto é que entre o IOF e outras medidas que afetem a emissão de LCI e LCA, o IOF não é o ideal porque penaliza investimento num momento de taxa de juros tão elevadas.
Mas se alguém tem que dar uma contribuição, é melhor que seja um setor que já conta com incentivos, como o agro?
Há uma discussão sobre quem o Plano Safra está beneficiando, é verdade. Mas há um direcionamento que é importante para a produção familiar. O que estamos falando (nesse pacote) é do agronegócio que está inserido internacionalmente, que precisa se modernizar, fazer investimentos sustentáveis ambientalmente. Para isso, não há Plano Safra. É preciso captar no mercado financeiro, e é melhor assim porque deixa o setor público atuar aonde não tem financiamento privado. Aí, vão questionar: mas juros no Brasil já são tão elevados e a empresa vai captar recursos e ainda vai ter que pagar imposto? Não é a situação ideal, mas entre isso e usar IOF, melhor esse instrumento, mesmo que não seja a situação ideal.
O pacote, até agora, continua seguindo a lógica arrecadatória. E as medidas estruturantes?
A história do estruturante ficou só no discurso. É assim que eu vejo. Não que eu fique surpresa, isso já era esperado. Mas há discussões pendentes, não se sabe se vai haver disposição do Congresso (para aprovar). O pacote de medidas de dezembro de 2024 não avançou como se esperava em mudanças no BPC (Benefício de Prestação Continuada). Não avançou, também, na parte da aposentadoria dos militares. Não falaram nada agora sobre isso.
Qual é o custo para o país se essas questões estruturantes não entrarem no debate? Vamos perder a chance de avançar?
Isso, sem dúvidas. O grande tema da despesa, o governo tocou tardiamente, só no final 2024, e foi muito tímido. O problema é que é difícil esperar algo diferente com o calendário eleitoral. Mas há um ponto, aqui, que é muito importante: e se o PT continuar no poder, vai ficar assim? Que o quadro fiscal é grave, todo mundo já sabe. Sabe também que várias iniciativas serão necessárias. E esse debate está cada vez mais forte. Quando a gente vê lideranças no Congresso dizendo que precisam falar de medidas de contenção de despesas, reforma administrativa, mostra que esse debate chegou na política. Ajuste fiscal virou problema de todos. Saiu do mundo dos economistas e foi para política.
E como esse debate seguirá com eleições em 2026?
A dúvida é: isso vai ser abraçado no próximo governo Lula? Quando a gente pensa em formação de preço de ativos, hoje, passa por essa questão: e se o PT ganhar as eleições no ano que vem? Isso vai ter consequência no mercado financeiro. Vão discutir: eles empurraram quatro anos, vão empurrar mais quatro da mesma forma ou vão discutir o tema para valer? Por isso, essa questão é muito simbólica. Se o atual governo estiver fazendo medidas estruturantes do lado da despesa na metade do governo, e se ele ganhar as eleições, haverá uma luz no fim do túnel, afinal, é um governo que topa avançar na agenda. A gente pode discutir o ritmo disso, mas o que quero dizer é que não mexer agora em questões, de fato, estruturantes, terá consequência nas eleições em 2026, aumentará a tensão para o resultado da eleição. Sabe aquela discussão que havia lá atrás de que o cenário eleitoral é binário? Se um ganha tem reformas, se outro ganha, não? Eu não vejo dessa forma, mas será a discussão que teremos: se o Lula ganhar eleição, serão mais quatro anos tentando empurrar com a barriga uma situação insustentável?
Aprovar uma agenda estruturante muda o quadro positivamente para o atual governo…
Exatamente. Ajudará a tirar a tensão eleitoral, mesmo que seja pequena.
Todo mundo fala de ajuste estrutural, mas ninguém quer dar sua contribuição. O Congresso não quer nem saber de mexer em emendas…
Há um desenho ruim que é: na hora que não cumpre a Lei de Responsabilidade (Fiscal), é tudo no Executivo. O Judiciário e o Legislativo não têm nenhuma penalidade. A gente tem o TCU (Tribunal de Contas da União), que não consegue fazer a governança dessas coisas e a LRF, muitas vezes, é deixada de lado. Essa agenda de contenção de gastos precisa ser liderada pelo Executivo. Se o Executivo começa ele próprio gastando, como fez, o Legislativo diz: não vou ficar fora dessa festa. Então, a agenda de ajuste fiscal necessariamente tem que partir do Executivo, que precisa assumir o custo político disso. O Legislativo não vai assumir. Eles mesmos admitem. Dizem: a gente acha que precisa fazer uma reforma administrativa, faz grupo de trabalho, mas sem apoio do governo é difícil, porque há um custo político. Mas sempre lembrando que o Executivo faz o esforço e cobra de alguma forma do Legislativo. O Judiciário é outra história. A gente vê que 25% das concessões do BPC é judicialização. A gente está precisando reforçar o diálogo com Judiciário e reforçar os marcos jurídicos para reduzir essa judicialização. Essa é uma outra agenda.
O caminho está aberto para algo maior ou menor, em termos de ajuste fiscal, após o IOF?
Vai ser empurrar mais com barriga, contar tostões e, não sendo suficiente, vão buscar novos instrumentos porque não sabemos se esse pacote sairá com a compensação plena (do IOF). O fato é que tem um rombo para o ano que vem e é difícil uma surpresa muito positiva porque o tamanho da necessidade de recursos é grande.