Em busca dos corações e mentes do eleitorado bolsonarista, Romeu Zema disse em entrevista a Fábio Zanini e Juliana Arreguy ter dúvidas sobre a existência de uma ditadura no Brasil entre 1964 e 1985. Para Zema, essa é uma “questão de interpretação”. “Não sei, eu não sou historiador, nunca me aprofundei”, explicou o governador de Minas Gerais, que citou anistia a “terroristas”, “sequestradores” e “assassinos” entre opositores do regime.
Menos audacioso que os mais notórios negacionistas da ditadura, como o próprio Jair Bolsonaro, que usam teses estapafúrdias para refutar peremptoriamente ter havido um regime autoritário, Zema o fez de um jeito que soou cínico — mas igualmente preocupante. O governador, afinal, comanda Minas Gerais há quase sete anos e não esconde de ninguém que quer ser presidente a partir de 2027.
Sendo assim, Zema, autodeclarado ignorante no assunto, deveria estudar um pouco o período. Nem precisaria ir longe. Entender a trajetória de dois antecessores dele no governo mineiro, Magalhães Pinto e Tancredo Neves, já ajudaria. Assim como Zema, os dois também tinham aspirações presidenciais enquanto governadores de Minas. Na ditadura, desempenharam papeis opostos.
O banqueiro José de Magalhães Pinto, fundador do Banco Nacional, foi governador de Minas Gerais pela UDN entre 1961 e 1966. Ele estava no cargo em março de 1964, quando conspirou e articulou com os generais Carlos Luís Guedes e Olympio Mourão Filho pela derrubada de João Goulart da Presidência. Em 31 de março, Mourão Filho mobilizou tropas sob seu comando em Juiz de Fora (MG) para marcharem ao Rio de Janeiro, movimento que deu início ao golpe. Jango foi deposto em 1º de abril.
Magalhães Pinto se colocava como pré-candidato da UDN à eleição presidencial de 1965, mas ela jamais aconteceu porque a ditadura editou o Ato Institucional Número 2 (AI-2) e instituiu eleição indireta para a Presidência, mantendo os militares no poder. O antecessor de Romeu Zema, então, filiou-se à Arena, partido da ditadura, e foi ministro das Relações Exteriores entre 1967 e 1968, no governo do general Costa e Silva. Nessa posição, Pinto foi um dos signatários do Ato Institucional Número 5 (AI-5), um “golpe dentro do golpe”, o mais repressivo entre os atos institucionais, que endureceu a ditadura. O ex-governador ainda foi senador de 1971 a 1978.
Tancredo Neves, governador de Minas Gerais entre 1983 e 1984, era um dos principais líderes do grupo político derrubado pelo golpe. Ministro da Justiça de Getúlio Vargas entre 1953 e 1954, quando o presidente se suicidou, Tancredo foi também primeiro-ministro do gabinete parlamentarista de João Goulart quando ele assumiu a Presidência, em 1961.
Com o golpe e a instituição do bipartidarismo, Tancredo Neves foi para a oposição no MDB. Ele enfileirou quatro mandatos de deputado federal, entre 1963 e 1979, e um de senador, de 1979 a 1983. Durante seu mandato no Senado, fundou o PP ao lado do antigo adversário Magalhães Pinto. O partido acabou sendo fundido ao PMDB, pelo qual Tancredo foi eleito governador de Minas Gerais em 1982. Ele renunciou em 1984 para disputar e vencer a eleição indireta à Presidência de 1985, que colocou fim a 21 anos de ditadura.
Conhecido pelo perfil articulador e conciliador, decisivo para a vitória no colégio eleitoral que encerrou o regime militar, Tancredo morreu antes de tomar posse, em 21 de abril de 1985. Ele foi sucedido pelo vice, José Sarney. No caso de Tancredo, mais do que aprender sobre a ditadura, Romeu Zema poderia buscar alguma inspiração.